sexta-feira, 22 de junho de 2007

Ian Paice


Como deu para perceber nas postagens anteriores, falo muito da época do 2º grau. Acho que é nesse período que a gente vai definindo, para valer, os nossos conceitos musicais. É claro que à medida que o tempo vai passando a gente conhece coisas novas, abandona coisas velhas, mas o molde, eu acredito, está sendo acertado entre os 14 e 17 anos. Foi nessa idade que eu aprendi, por exemplo, a importância de tocar direito, de respeitar a música e de não estragar as composições dos outros.

Aliás, levei essa época de aprendizado tão a sério que achei melhor ficar mais um ano na escola. E foi justamente no ano em que levei bomba que tive o primeiro contato com o Deep Purple. Não sei como, mas no final de 89 caiu na minha mão uma fita do “Made In Europe”. Gostei muito do som (ainda sem entender direito) e, principalmente, do baterista. No ano seguinte, conheci um cara que era realmente ligado no DP (meu querido amigo Vinícius), e que me mostrou coisas menos conhecidas do grupo. Gostei muito do que ouvi e comecei a sacar a bateria de Ian Paice.

Ao contrário de seu contemporâneo John Bonham, a bateria do canhoto IP passa quase despercebida na música, totalmente carregada pelos teclados, guitarras e vocais. Mas é só você tentar tocar alguma coisa que percebe o quanto as coisas são difíceis. IP tinha (e ainda tem) mãos e pés são muito rápidos, que passeiam pelo kit com muita destreza. Suas baterias, em termos de estrutura, não são das mais inventivas. Na verdade, ele toca sempre o que a música pede, sem querer ofuscar ninguém. O som, também, é bem tradicional e ocupa o espaço exato deixado pelos outros instrumentos. Isso, no entanto, não representa nenhum demérito na arte de IP. Muito pelo contrário, já que a sua técnica e musicalidade garantem a ela um lugar de destaque na lista de grandes bateristas de rock.

Tentando fazer uma leitura (barata) de sua personalidade, eu diria que IP é (e sempre foi) apenas um cara tranqüilo. Não tem a necessidade de ser adorado, não possui os arroubos artísticos de seus colegas e nem está preocupado em provar tudo o que sabe de uma só vez. Ele “simplesmente” toca bateria para valer, com a seriedade e o vigor que a música exige. Talvez por isso ele seja, hj, o único membro do DP a nunca ter saído da banda (coisa raríssima numa banda que teve várias formações).

Vamos à seleção musical....

Podcast: http://lomez.mypodcast.com/


YOU FOOL NO ONE
Burn, 1974
Um dos primeiros solos de bateria que me chamaram a atenção foi o dessa música, na versão ao vivo do “Made In Europe” – eu ainda prefiro essa gravação de estúdio. A técnica de IP é impecável. Tocar dessa forma, com o bumbo acompanhando o cowbell, é muito difícil. E ele ainda consegue dar um balanço fenomenal à batida. Gosto muito do teclado na parte em que a guitarra sola. Aliás, essa formação do DP é excelente, apesar de muito criticada pelos fãs mais xiitas.

FIREBALL
Fireball, 1971
Por falar em música que começa com pé no acelerador... IP pegou um bumbo emprestado e deu uma aula de como tocar os tambores. Uma coisa que sempre me amarrei nessa música é o pandeirinho que rola no começo do solo do órgão. Ele vai dobrando as notas dum jeito tão elementar, mas que funciona muito bem.

SPACE TRUCKIN'
Machine Head, 1972

Formação clássica do DP num disco clássico do rock mundial. Gosto bastante da forma com que IP acentua as passagens da música. Não sei pq, mas essa música tem, para mim, uma energia de soul. Acho que se Otis Redding fosse vivo, certamente teria gravado uma versão. Outra coisa muito legal é o overdub de bateria no meio da música. Detalhe especial para uma percussãozinha que surge no final, bem no fundo do canal direito.

BLACK NIGHT [ORIGINAL SINGLE VERSION]
Deep Purple in Rock, 1970

Clássssssico. IP toca com maestria a batida do rhythm’n’blues. Apesar do som tosco, gosto dessa versão. É uma das músicas que, até hoje, a platéia canta o riff como se fosse uma parte da letra.

THE MULE
Fireball, 1971

A versão de IP para Tomorrow Never Knows? Brincadeiras a parte, essa música, nos anos 70, era um dos temas do solo de bateria de IP. Gosto da consistência da batida, que não muda ao longo da música.

LAY DOWN STAY DOWN
Burn, 1974

Mais uma da formação “B” do Deep Purple. Rock no melhor gabarito. A bateria de IP toca o tempo todo, preenchendo os espaços e marcando todas as partes. Me amarro muito quando Coverdale e Hughes cantam juntos. Perfeita também é a base de piano no solo de guitarra.

SMOKE ON THE WATER
Machine Head, 1972
A escolha de tocar o ximbau com as duas mãos na introdução (e com o bumbo tocando os 4 tempos) dá um clima muito novo na música. Se isolarmos a bateria, seria impossível relacioná-la a um dos mais poderosos riffs da história. Isso é a prova que uma bateria sozinha não faz verão...

GETTIN' TIGHTER
Come Taste the Band, 1975
Essa música me fez enxergar o DP de uma outra forma. No 2º grau (sempre lá), tinha uma amigo que me emprestou o disco para tiramos essa música. Chegamos a tocar alguma vezes, mas nunca chegamos perto (claro) do balanço dessa versão.

BURN
Burn, 1974

Pura energia atômica. IP consegue solar no meio da estrofe e não atrapalha em nada a voz. Isso é Ian Paice na melhor mistura de finesse com força bruta.

abs
Txotxa

terça-feira, 12 de junho de 2007

Ringo Starr



Toda banda, além do baterista, tem sempre um cara que toca (ou cisma em tocar) bateria. Normalmente, esse é o cara que nos deixa de orelha em pé, que reclama de alguma batida, ou que, pela simples presença, nos ameaça constantemente com seu olhar crítico.

Na maioria das vezes, os dois (baterista e quase-baterista) acabam se entendendo e seguindo em paz ao longo dos ensaios. Já em outros casos, o baterista acaba se tornando refém das opiniões desse quase-baterista, deixando de lado os seus instintos musicais para tentar agradar o colega de banda.

E o que fazer quando esses quase-bateristas da sua banda são George Harrison, John Lennon e, especialmente, Paul McCartney? Bem, Ringo Starr conseguiu, sem maiores confusões, não só agradar seus colegas geniais (que tinham noções bem avançadas de como deveria soar a bateria), como também criar um estilo que, de tão particular, até hoje não é completamente entendido pelo grande público.

Como deu para perceber, vou falar hoje sobre Ringo Starr, baterista da maior banda de todos os tempos. Já aviso logo que não sou betleamaníaco e que não sei quase nada sobre as lendas relacionadas ao grupo. Vou tentar, da forma mais honesta possível, listar algumas características de RS que me fazem gostar cada vez mais da figura.

Quando eu estava no 2º grau, era quase um sacrilégio elogiar o Ringo. Para todos os efeitos, ele era apenas um cara sortudo, com talento mediano, que estava no lugar certo, na hora certa. Nada além disso. Por isso, posso dizer que comecei a respeitar o Ringo a partir da opinião de outros bateristas que eu gostava, já que não entendia a moral que ele mantinha junto à comunidade baterística internacional. À medida que o tempo foi passando, fui conhecendo melhor os Beatles e pude mapear algumas peculiaridades da bateria de RS.

Por exemplo, ele era canhoto, mas tocava numa bateria de destro. E para piorar, ele começava as viradas com a mão esquerda. É mais ou menos como um jogador de futebol que chuta com a direita, mas carrega a bola e dribla com a esquerda. Vai tentar marcar em cara desses, ou tirar (de verdade!) as suas baterias?

Outro destaque da arte de Ringo Starr é a sua capacidade de acertar (e carregar) o tempo de uma música com uma consistência assustadora. Até hoje, sua bateria toca sempre no andamento certo, sempre no lugar certo do compasso. Já falei algumas coisas neste blog sobre bateristas que tocam na frente e atrás da batida, mas o Ringo era (ou melhor, é) um cara que sabia instintivamente o melhor lugar para as suas baquetadas. E como ele tocava SEMPRE o que a música pedia, cada coisinha a mais soava, literalmente, como música aos ouvidos, tamanho o seu bom gosto.

Se tivesse que resumir a sua essência baterística diria o seguinte: um cara que, a partir do alto entendimento que tinha das batidas de Chuck Berry, de Fats Domino e do R&B norte-americano, conseguiu impor, mesmo nos momentos mais vanguardistas de seus colegas, a melhor tradição do rock’n’roll.

Quando seu filho, o tremendo baterista Zak Starkey, começou a se interessar mais seriamente pelo instrumento, Ringo, no alto de várias décadas como superstar mundial, lhe ensinou duas coisas: a primeira, a batida mais simples que alguém aprende a tocar na bateria (o velho e bom 4/4, com o bumbo no 1 e 3, e a caixa no 2 e 4); a segunda, uma variação mais simples ainda dessa batida. E disse: “Com isso, vc consegue se virar como baterista profissional. O resto, é por sua conta”.

Antes de irmos para o podcast, queria dizer que, para mim, é impossível escrever qualquer coisa mais original sobre a obra dos Beatles. Portanto, para não correr maiores riscos, vou seguir o meu “feeeling”, e que me perdoem os especialistas.

Podcast: http://lomez.mypodcast.com/

MAGICAL MYSTERY TOUR
Magical Mystery Tour, 1967
Gosto muito da energia da bateria, que já começa com o pé no acelerador. Outra coisa bem legal é a passagem para parte mais lenta, quando RS toca a caixa com as duas mãos – essa batida é uma de suas assinaturas.

BOYS
Please Please Me, 1963
Sua voz nasalada é imediatamente reconhecida em qualquer lugar do mundo. Escolhi essa música pelo balanço e pelo som da bateria. É um ótimo exemplo de como RS entendia (e mantinha) os andamentos.

TICKET TO RIDE
Help!, 1965
Note como a bateria vai mudando a célula ao longo da música. Ringo faz isso de uma forma bem sossegada, sem querer chamar a atenção. Esse é exemplo de como alguém pode tocar para música e ainda contribuir com um “algo mais”.

TAXMAN
Revolver, 1966
Já toquei essa música várias vezes, mas sempre apanho desse bumbo. Nunca sai do jeito certo, do jeito de Ringo.

RAIN
Past Masters 2, 1966

Essa música sempre aparece em qualquer lista das melhores baterias de RS. Não podia deixar de fora, principalmente pela forma como que ele vai “atravessando” a música, sem nunca atrapalhar o baixo (e que baixo!) de Paul McCartney.

COME TOGETHER
Abbey Road, 1969

Uma coisa meio complicada em relação ao aspecto orquestral de sua bateria (principalmente nessa música) é saber de quem partiu a idéia. Veio do Ringo, ou ele “apenas” executou um conceito pensado por John Lennon e George Martin? Não conheço Beatles o suficiente para saber a resposta (aliás, nem sei se a pergunta procede). Só sei que a execução é espetacular. Para essa música, o som abafado dos toms funcionou perfeitamente.

WHILE MY GUITAR GENTLY WEEPS
White Album, 1968
Eu considero essa música uma das mais difíceis dos Beatles (e uma das melhores). A bateria começa apenas com bumbo e ximbau (num andamento complicado, que soa arrastado, mas que está sempre na frente). Na segunda estrofe, a batida entra, mas ainda de forma incompleta: Ringo toca a caixa e o bumbo, deixando de fora a mão da condução – e isso é uma coisa muito difícil de se fazer sem perder o tempo. Eu mesmo, quando toco essa música, sempre faço com a mão direita a frase dos blocks (do canal esquerdo) para não me perder no compasso. Bom, chega o refrão e RS traz de volta o ximbau e dá aquele “colorido” que faltava. Faltava, mesmo? Depois disso, a música segue macia nas mãos de Eric Clapton...

CAN'T BUY ME LOVE
A Hard Day's Night, 1964

Essa batida tem todo o clima das músicas de Chuck Berry, com um clima de R&B mais rápido e uma pitada de shuffle. Gosto muito da forma com que Ringo toca essa música, sempre colando e pontuando com o baixo. Uma coisa engraçada em 99,9% das versões que ouvi dessa música é que os bateristas sempre seguem a guitarra no refrão, acentuando na hora do “Can’t Buy Me Love”, enquanto Ringo segue firme e forte com o baixo, criando uma das bases mais sólidas que os Beatles já gravaram.

IN MY LIFE
Rubber Soul, 1965

A mágica da nota certa, no lugar certo e na hora certa. O que fazer quando um cara da sua banda chega com uma música dessas e pede para vc colocar a bateria? Eu, por via das dúvidas, ficaria quietinho, esperando que alguém (de preferência o compositor) sugerisse alguma coisa, só para não correr o risco de atrapalhar uma obra-prima. Não sei se foi isso o que fez Ringo, mas a sua levada (ou não-levada) de ximbau é fascinante (pela simplicidade e pela criatividade). Além disso, acho sensacional a condução na cúpula do prato, na hora do refrão, quando ele toca junto com a caixa.

REVOLUTION
Past Masters 2, 1968

Aqui, de novo, a dificuldade de tocar um R&B desse nível. E de novo, tocando sem a mão da condução. Outra coisa que chama a atenção é a consistência de Ringo com a batida – repare como o bumbo toca sempre da mesma forma, com a mesma força. Isso é para quem domina a bateria e não se intimida numa gravação.

CAROL
Live at the BBC, 1963
Não poderia deixar um cover de Chuck Berry de fora. Gosto do bumbo dessa versão, que vai acentuando as batidas, sem precisar tocar o tempo todo. Ouvindo essa versão, dá até pena, em termos de cozinha, da versão dos Stones :-). Outra coisa legal é que George Harrison chega a tocar as mesmas frases da guitarra de Chuck Berry.

SHE SAID SHE SAID
Revolver, 1966
Se eu tivesse que escolher uma música que melhor representasse a bateria de RS, eu escolheria essa. Tem de tudo: cadência perfeita, swing, viradas estranhas de mão esquerda que cabem perfeitamente na música e dinâmica exemplar. Se um dia eu o conhecesse, iria pedir para me mostrar essa batida.

PAPERBACK WRITER
Past Masters 2, 1966

Que energia tem essa música! A batida de RS dá todo o suporte para o baixo e para a guitarra (que são fenomenais). Gosto muito também do som dessa bateria. Eu, particularmente, aumentaria um pouquinho a bateria na mixagem (hehehe).

THE END
Abbey Road, 1969
O único solo de RS com os Beatles? Não sei... Só sei que isso soa muito bem na música (e no disco).




Era isso.
abs
Txotxa