quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Art Blakey (1919 – 1990)


Mudando um pouco o rumo da prosa, e deixando de lado os colegas roqueiros, vou tentar hoje (ênfase no tentar) falar um pouco sobre os meus ídolos jazzistas. Antes, porém, gostaria de fazer algumas considerações a respeito desse estilo tão reverenciado (e temido) que é o jazz.

Não sou, nunca fui e nunca serei especialista no assunto. Considero-me apenas um entusiasta da coisa, que foi aprendendo na marra, a partir de uma curtíssima literatura, da boa vontade dos amigos e de uma tremenda curiosidade para entender o que faz do jazz a maior expressão cultural norte-americana.

Bom, depois de alguns anos batendo cabeça, pude compreender algumas coisas. Uma delas diz respeito ao mito de o jazz ser uma música superior. Isso tem a ver, eu penso, com a forma com que as pessoas mais cultas se apropriaram do estilo, tornando o jazz uma coisa elitista, exclusiva das mentes sofisticadas que sabem apreciar a boa música fumando um bom charuto e bebendo um conhaque caro. Talvez pelo alto preço dos discos (na época não existia o mp3), consumir jazz era mesmo uma coisa para quem tinha dinheiro sobrando no bolso. E isso, talvez, tenha afastado as pessoas mais novas. Mas, de qualquer forma, essa idéia de música superior é uma besteira. Não existe isso. Quem define essa qualidade é o ouvido do freguês, que pode detestar “Giant Steps”, de John Coltrane, e adorar a batida simples de Bo Diddley.

No momento que entendi isso, perdi 90% do medo que tinha e pude focar nas coisas que achava realmente interessantes: a sincronia entre baixo, bateria e piano; o som e o improviso dos sopros; a dinâmica dos arranjos e, principalmente, o BLUES que corre nas veias de cada uma dessas composições (desculpem a vibração :) ).

Talvez o único pré-requisito para entender o jazz seja uma boa noção de sua cronologia. Besteira! Na verdade, isso seria apenas um facilitador. Não é imprescindível, apenas ajuda a montar o labirinto na cabeça. Mas isso vale para qualquer estilo, não? Quando entendemos que o reggae veio do ska, que veio do R&B norte-americano, não fica mais fácil compreender a sua batida? Eu quebro a cabeça para entender a cronologia do punk rock, para entender a ponte que existe entre o Gang of Four e o Franz Ferdinand, por exemplo. Portanto, qualquer estilo musical que tenha um pouco mais de conteúdo, precisa de uma “estudada” mais atenta. Mas é só. Depois disso, cada um caminha com as suas próprias pernas e vai atrás do que, realmente, lhe interessa. Sem medo e sem preconceito.

E é com tudo isso em mente que eu apresento o 1º jazzista desse blog: o incomparável Art Blakey. Para mim, ele representa uma corrente importantíssima no desenvolvimento da bateria. Junto com Philly Joe Jones, Max Roach e Elvin Jones, AB deu início à “modernidade percussiva jazzística”. E de todos esses, Art Blakey, além de mais velho, era, de longe, o que tinha mais swing – a sua condução era tão cheia de balanço que podia carregar a música sozinha. Além disso, AB acompanhou muito bem a evolução musical do começo dos anos 40 (que deu no Bebop), criando, com seu grupo, um estilo conhecido como Hardbop, que explodiu na metade dos anos 50.

Um fator importante na arte de Art Blakey (sem trocadilhos) era a sua capacidade de juntar ótimos músicos em suas bandas. Já passou pelos Jazz Messengers (grupo de Horace Silver que, depois, AB assumiu a batuta) gente do calibre de Wynton e Branford Marsalis, Bobby Timmons, Lee Morgan, Benny Golson entre outros gigantes.

Diferente dos grupos de Miles Davis, os jovens que tocavam com Blakey não precisavam mostrar genialidade o tempo inteiro e tinham liberdade para desenvolver em paz os seus talentos. De uma certa forma, era como se a escola dos Jazz Messengers fosse um curso pré-vestibular para a faculdade de Miles Davis. Não sei se Wayne Shorter, por exemplo, teria feito o que fez no 2º grande quinteto de Miles se não tivesse tido o tempo para desenvolver sua composição nos anos que passou com Art Blakey.

Vamos à seleção musical de hoje (que ficou bem extensa, por sinal):
http://lomez.mypodcast.com/


“A LITTLE BUSY”
Art Blakey & The Jazz Messengers
The Witch Doctor, 1961
Isso é balanço e o resto é brincadeira! Eu considero essa uma das melhores formações da história do jazz, com Lee Morgan (t), Wayne Shorter (st), Bobby Timmons (p) e Jymie Merritt (b). Gosto muito também desse arranjo, que não deixa a peteca cair em nenhum momento. Às vezes, uma música começa com o tema fodasso, cheio de swing, mas na hora dos solos cai num clima mais tranqüilo, mais tradicional, matando (pelo menos para mim) um pouco da originalidade. Aqui, a música não tira o pé do acelerador em momento algum. Composição do super-foda Lee Morgan, um cara que era excelente compositor e instrumentista.

“THE THEME”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Buttercorn Lady, 1966
Como AB rendia ao vivo... Destaque para a participação do então jovem pianista Keith Jarrett, um dos que passaram pelo cursinho Art Blakey para a faculdade Miles Davis. Essa música é meio despretensiosa, com um clima meio de zona, de fim ou de início de show, mas eu me amarro muito na linha dos sopros, que soam colados com a caixa de AB.

“THE DRUM THUNDER SUITE”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Moanin', 1958
Clássico dos clássicos. Considero este disco um dos Top 10 da minha vida. Tem de tudo, é uma aula completa. Essa suíte foi composta pelo grande saxofonista Benny Golson (aquele que o Tom Hanks tenta pegar um autógrafo no filme “Terminal”) e mostra o quanto AB sabia tudo e mais um pouco de tambores. Se a formação do disco “The Witch Doctor”, mencionada acima, é uma das melhores do jazz, eu considero essa, com BG no lugar de Wayne Shorter, a melhor dos Jazz Messengers. Era como se a musicalidade de todos caminhassem para o mesmo lugar. Li esses dias o guitarrista do Toto falando sobre tempo, dizendo que existia o tempo de cada um e o tempo de um conjunto. Ela cita o Neville Brothers como exemplo de uma banda que possui a mesma noção de tempo, onde todos vão para o mesmo lugar, no mesmo momento, da mesma forma. Eu penso que essa formação dos Jazz Messengers, em termos de melodia e harmonia, estão em perfeita sincronicidade.

“SOUL FINGER”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Soul Finger, 1965
Um ótimo exemplo do que representa musicalmente o Hardbop, com uma forte pegada de soul. Podemos ouvir os furiosos rolos de caixa de AB nessa versão. Gosto muito da dinâmica dessa execução.

“UNITED”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Roots And Herbs, 1961
Aqui a coisa já dá um nó na cabeça. O tempo da música é em 3, correto? Mas quem é que entende o que acontece do meio para a final, logo após o solo de piano? Eu fico com dor de cabeça, mas não consigo amarrar o tempo entre o baixo, a bateria e a percussão – note que o ximbau continua tocando a mesma célula do começo da música. Independente disso, essa versão mostra o quanto Art Blakey tinha um pulso firme, o quanto dominava todas as variações de compasso.

“IT'S ONLY A PAPER MOON”
Art Blakey & The Jazz Messengers
The Big Beat, 1960
Esse disco fez muito sucesso na época e possui uma das formação clássicas dos Jazz Messengers (citada na 1ª música desse podcast). Gosto muito dessa composição e, pelo o que me lembre, nunca ouvi um arranjo lascado. E essa versão não foge à regra. O solo de Blakey também é muito legal. Na verdade, ele possuía algumas frases bem características, que apareciam sempre em seus solos. Tudo bem, já que ele nunca foi o virtuoso da bateria (como eram Max Roach, Tony Williams ou Buddy Rich).

“SAFARI”
Horace Silver
Spotlight On Drums, 1952
E por falar em balanço, aqui vai uma gravação de Blakey com um dos pianistas/compositores que eu mais gosto, Mr. Horace Silver. Todas as músicas de Silver tem um funky sensacional, pilotado pela sua mão direita. O solo de Blakey, apesar de curtíssimo, é um dos mais musicais que eu já ouvi.

“AUTUMN LEAVES”
Cannonball Adderley
Somethin' Else, 1958
Uma aula de swing. Repare como o andamento não se altera (com exceção do final). Art Blakey sai da baqueta para a vassourinha e volta para as baquetas sem pressa, sem perder o balanço por mais de 9’. E esse andamento não é um dos mais fáceis – é daqueles se a bateria ficar um milésimo de segundo para trás mata a música, e se correr um centésimo, perde todo o balanço. Essa formação, com Miles Davis e o fabuloso pianista Hank Jones (irmão do baterista Elvin Jones) é sensacional. Cannonball ficou muito famoso depois disso, (meses depois, gravou o clássico “Kind of Blue”, com Miles), mas se eu tivesse que escolher entre todos os seus solos sensacionais, eu escolheria este.

PS. Sobre aquela história de ter contado com a "little help from my friends" para entender um pouco sobre o jazz, não posso deixar de mencionar a família da Joana (minha ex-colega de Maskavo Roots e, na época, namorada), que, mesmo sem saber, me emprestava muitos dos seus muitos discos de jazz. Outro que muito ajudou foi o meu grande amigo Alan, que me emprestava os discos de seu cunhado (que tem uma coleção imensa). Lembro que a gente pegava um monte de discos e eu ia correndo para casa gravar, antes que o dono notasse o “empréstimo”.

“IN THE WEE SMALL HOURS OF THE MORNING”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Caravan, 1964
Outro disco muito famoso dos Jazz Messengers. Gosto muito dessa versão com o trombone. A música, de novo, é um standard e ficou muito bem arranjada. Aliás, umas das contas usadas para medir a capacidade criativa do jazzista (além da composição, é claro) é a sua capacidade de interpretar os standards. Aqui, AB cria uma batida bem interessante, cheia de clima e de partes sutis.

“MOANIN'”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Moanin', 1958
Essa música talvez seja o maior hit do grupo de Art Blakey. Adoro o compositor, o pianista Bobby Timmons. Quase todas as suas músicas têm esse pegada forte de blues, de soul. Uma coisa que sempre me admira (e eu já devo ter ouvido esse disco umas 1000 vezes) e a forma como o piano e o sopro vão se alternando no tema. Os solos de Lee Morgan (tp) e de Bobby Timmons também são sensacionais. E a batida de Art Blakey, que mais lembra um R&B clássico, empurra a música na medida certa. E como diria o pião, ainda tem um plus a mais: a Geórgia, minha mulher, me deu de aniversário uma versão remasterizada desse disco, que tem o melhor som que já ouvi na vida.

Era isso.
abs
Txotxa

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Keith Moon (1946 - 1978)


Existem malucos e malucos. O termo, nos dois casos, não tem relação alguma com o movimento hippie ou com a forma com que os playboys se cumprimentam. Maluco, aqui, beira a demência patológica.

Dividindo a carga do conceito, o 1º grupo seria composto por aqueles que entram e saem de manicômios, que passam a maior parte do tempo sedados e que, por um infortúnio genético, nasceram com a fiação trocada.

Já os malucos do 2º time, o mais perigoso, são aqueles que, por abusos químicos diversos, viraram na esquina da insanidade e não conseguiram mais retornar. Nesse time está gente como Jim Gordon (fabuloso baterista que, cumprindo ordens do Diabo, matou a mãe a marteladas), Jonh Bonham (que mijava nas calças e mandava o roadie trocar com ele de lugar no avião) e Keith Moon (certamente, o pior de todos), que já entrou com um tanque de guerra em uma festa, já colocou bombas dentro do bumbo sem avisar os colegas de banda a hora da explosão, já tirou a roupa inteira num programa de TV, entre outras demências.

Mas assim como os outros dois colegas, KM era um fenômeno atrás da bateria. Seu toque era leve e rápido (talvez o mais rápido de sua geração). Suas viradas até hoje são dificílimas e poucos conseguem tocá-las do jeito correto. Pq existe, eu acredito, um jeito certo de se tocar a bateria de KM. Não dá para acompanhar as músicas do The Who pensando num ritmo definido, numa batida que tenha balanço. As músicas deles que têm um certo swing são fruto muito mais do baixo e da guitarra (mais até do violão). Pq a bateria é caótica, cheia de tambores e pratos o tempo inteiro (ele raramente usava o ximbau para conduzir o ritmo).

Mas isso não representa nenhum demérito em relação às qualidades de KM. Mostra apenas que o excesso, característica mais marcante em sua vida pública, é também responsável pela sua distinção musical. E é esse excesso musical que impede caras geniais como Simon Philipps, Kenney Jones e Zak Starkey (todos ex-bateristas do The Who) a repetirem as batidas de Keith Moon.

Vamos a elas:

THE OX
The Who Sings My Generation, 1965

Keith Moon mostra que não veio para brincadeira. Toca o tempo inteiro, numa versão que poderia ser escrita para uma pequena orquestra de percussão. Me admira a intensidade que ele mantém por quase 4’, sem dar descanso às peles. Sinceramente, acho que, até hoje, pouquíssimas pessoas teriam a idéia de tocar essa música dessa forma.
Vou até sugerir para o meu querido amigo Gabriel Coaracy, baterista dos Bois de Gerião, que pense num arranjo dessa música para o seu grupo de percussão erudita. Dá para usar tudo, marimba, tímpanos, xilofone, rontontons, pratos etc.

GOING MOBILE
Who's Next, 1971

Por favor, alguém poderia me explicar a virada que ele faz logo após a 1ª frase de Pete Townshead? Coisa de doido. Nesse tipo de arranjo, com violão, KM deita e rola. Essa música, aliás, é um bom exemplo de como o balanço da banda vinha de PT e, às vezes de Roger Entwistle. Keith Moon tinha outras preocupações. De novo, uma forma de tocar a bateria que alguém dificilmente pensaria. Note como ela pára, vai e volta, mas sem nunca perder a adrenalina.

I'M THE FACE
Odds And Sods, 1974
Como toda regra tem exceção, aqui KM se concentra no balanço, colado no baixo. É impressionante o quanto o The Who era uma banda foda, com domínio total da linguagem do rock. Esses dias, estava assistindo com o Carlos, do Prot(o), um ensaio do The Who (no YouTube, claro), onde eles, de zona, tocavam “Barbara Ann”, dos Beach Boys. E mesmo de zona, eles não conseguiam fazer feio.
Para quem quiser conferir, aqui vai o link do vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=4d6mj7PG9qA&mode=related&search=

SHAKIN' ALL OVER
Live At Leeds, 1970

Um dos melhores discos ao vivo do pedaço. Não quero dar uma de saudosista (até pq nem tenho idade para isso), mas acho que nos 60 e 70 as bandas eram musicalmente (não artisticamente) melhores que as de hoje. Como as coisas funcionavam na marra, o cara tinha que fazer muito bem o dever de casa. E isso se reflete, ao meu ver, na qualidade dos discos ao vivo gravados nessas décadas (especialmente nos anos 70). Olhe só: “Wings Over America”, “Frampton Comes Alive”, “Get Yer Ya-Ya's Out!”, “Before The Flood”, independente do gosto do freguês, são discos extremamente bem tocados, com dinâmica de banda, com musicalidade de sobra. E hoje, não vejo discos assim. Vc tem um que é legal pela energia, outro pela interação com o público, outro pela qualidade de captação, mas não ouço um para deixar o queixo caído.
Bom, isso tudo para dizer que, dentre todos esses fodassos, o “Live At Leeds” se sobressai na minha lista.

LET'S SEE ACTION
Single, 1971
De novo o violão amarrando som. Adoro o balanço dessa música. A batida de KM chega a ser meio desleixada, mas sem atrapalhar o arranjo. Note como ele carrega a música no ximbau sem pressa, sem tocar todas as notas do compasso. Muito legal também é ver o quanto ele reage rapidamente às partes dos seus colegas – no solo de guitarra, ele vai marcando as partes com o prato. De novo, qualquer outro baterista sem os temperos de KM deixaria a música insossa. Saudável, mas insossa.

I'M FREE
Tommy, 1969
Um ótimo exemplo de batidas que nos derrubam da cadeira. Quando o riff começa, nós já vamos batendo o pé num tempo, até que chega a bateria e arrasa com qualquer chance de bater palma. No final, a bateria resolve “fazer as pazes” com os outros colegas. Música foda de um disco foda.

WHO ARE YOU
Who Are You, 1978
Aqui já ouvimos KM no final da vida (uma pena). Acho essa bateria uma das mais arrasadoras que ele já gravou, tanto pelo som quanto pelas notas. E para “piorar” a vida dos bateristas, ele ainda toca por cima de uma base eletrônica (com as palminhas) como se não fosse nada demais. Dessa época, aliás, eu me amarro no visual dele tocando com um fone de cabo de telefone. Simon Philipps já gravou essa música com o Who, mas não conseguiu acertar os espaços do jeito correto, do jeito KM.

YOUNG MAN BLUES
Live At Leeds, 1970
Quando falei acima das viradas ultra-rápidas de KM, eu me referia especialmente a essa música. Dá gosto de ouvir uma formação tão coesa quanto essa. Realmente (e infelizmente) só de décadas em décadas surge uma banda assim.

BABY DON'T YOU DO IT
Who's Next, 1971
Ouvi essa música pela primeira vez com o The Band. Achei bem legal, mas depois de ouvir a versão do Who, pude entender o que o termo “incendiar” representa musicalmente. A bateria de KM dá show e carrega a música inteira nas costas. Esse disco, aliás, é um dos Top 10 de qualquer discoteca de rock.

SQUEEZE BOX
The Who By Numbers, 1975
Esse eu escolhi muito mais por uma boa lembrança do que pela bateria. Quer dizer, KM toca muitíssimo bem (como sempre), mas o que me alegra nessa música é lembrar do Spigazul, grupo que tive a honra de participar. Lembro de um ensaio que fizemos (eu, Gagui e Futrica) com o Fitinha (o vocalista), depois de uns 5 anos sem tocarmos juntos, e tocamos essa música. Foi impressionante o quanto essa música soou bem (e ainda soa na minha memória).

Podcast: http://lomez.mypodcast.com/


Era isso.
abs
Txotxa

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Coletânea, Vol. 2

Como as respostas para a postagem anterior foram legais, resolvi seguir no caminho das coletâneas. Vamos lá...

Podcast: http://lomez.mypodcast.com/


KENNEY JONES
Borstal Boys
FACES – OOH LA LA, 1973
Taí um cara que deveria estar em qualquer lista dos 10 melhores bateristas de rock de todos os tempos. Não bastasse ser sócio-fundador do importante Small Faces e, depois, do Faces, KJ foi escolhido para substituir ninguém menos do que Keith Moon nas baquetas do Who. Aliás, o Faces é uma banda que merecia muito mais destaque. Durou pouco, mas deixou discos sensacionais. Voltando ao KJ, ele consegue fazer (com o pé nas costas) o que considero ser o sonho de qualquer baterista de rock: ter técnica de sobra e, ainda assim, respeitar as características tradicionais do estilo. Ouça essa música e repare na forma que ele carrega a música nos tambores.

PS. 1 – Quando assisti ao filme “25 x 5”, sobre os Rolling Stones, lembro do Ron Wood contar que ficou preocupado em largar os Faces para ingressar nos Rolling Stones. Na época eu pensei: “Que cara louco! Que dúvida ele poderia ter?”. Hoje, eu entendo perfeitamente, já que, na época, os Rolling Stones eram, na minha humilde opinião, inferiores aos caras (desculpem o trocadilho).



WILLIE "WILD" SPARKS
Got To Go Through It To Get To It
GRAHAM CENTRAL STATION – RELEASE YOURSELF, 1974
Vamos considerar o funk (ou funky) como uma forma de tocar, e não como um estilo musical. E que o funk presente em cada músico seja algo mensurável, assim como os “midichlorians” no sangue dos Jedis :-). Seguindo esse analogia, podemos afirmar que, quando o assunto é funk, Larry Graham é mais poderoso do que Yoda, Anakim e Palpatine juntos. Não só como baixista, mas como cantor e multiinstrumentista. E a sua banda, montada após os anos na escola Sly Stone, é uma das mais avassaladoras que já existiram. Ouçam a bateria de Willie Sparks e notem como ela é diferente – ela puxa a música pára trás, enquanto o baixo empurra o ritmo como uma locomotiva. E que arranjo, hein?




PHILIP "FISH" FISHER
Unyeilding Conditioning

FISHBONE – GIVE A MONKEY A BRAIN...,1993
Descobri ontem que ele gravou o 1º disco do Fishbone com 14 anos!!! Parece coisa do demo alguém tocar daquele jeito com tão pouca idade. Vai entender... O fato é que nessa gravação, oito anos mais velha, “Fish” Fisher dá o gabarito do que é tocar ska de um jeito moderno. Notem como ele toca o tempo inteiro, com muitas notas, mas não sobrecarrega o arranjo em nenhum momento. Poucos caras são capazes de sair de uma batida dessas para um hardcore, passando para um funk, sem perder o rebolado.




JOHN DENSMORE
Peace Frog
THE DOORS – MORRISON HOTEL, 1970
Descobri essa música assistindo a série “Entourage”, na HBO. Conhecia esse disco apenas pelo superhit “Roadhouse Blues”, pois, na minha infinita preguiça, nunca havia me dado o trabalho de correr a agulha algumas faixas adiante. John Densmore é um baterista fora de série. Toca leve, tem técnica de jazzista e mantém firmemente o compasso. É uma pena que a “mística” em torno de Jim Morrison tenha, em parte, soterrado as verdadeiras qualidades musicais do grupo (dele inclusive).





ROGER POPE
Your Starter for...

ELTON JOHN – BLUE MOVES, 1976
Esse cara tocou com o Elton John em várias gravações e turnês. Até a chegada de Nigel Olsson, ele era o cara que segurava as baquetas para EJ (sem piadinhas, por favor). Gosto muito do som dessa bateria (principalmente do ximbau). Essa música mostra bem o quanto EJ era um compositor virtuoso. E acompanhar esse arranjo com uma bateria tão macia é mesmo para poucos.




CHRIS FRANTZ
Thank You For Sending Me An Angel

TALKING HEADS – MORE SONGS ABOUT BUILDINGS AND FOOD, 1978
Casamento é uma coisa difícil. Tocar numa banda durantes décadas, tão difícil quanto. E quando alguém resolve juntar as duas coisas? CF, casado com a baixista do Talking Heads, não só mostrou como é possível essa relação, como ainda colheu belos frutos no âmbito musical. A cozinha do TH não é composta de virtuosos, mas funciona que é uma beleza. Nessa música, podemos perceber o quanto baixo e bateria trabalham bem, tocando simples, mas com muita pressão. Adoro essa bateria, meio marcial e muito precisa, que já começa com o pé no acelerador. Grande música de um grande disco de uma grande banda!


CLYDE STUBBLEFIELD
I Got The Feelin'
JAMES BROWN – SINGLE, 1968
Ele é conhecido como o baterista mais sampleado da história. Eu acredito, já que a virada de “Funkin’ Drummer” virou padrão nas entrada dos hip-hops dos anos 80. E essa bateria mostra bem como CS conseguia colocar nas baquetas as idéias de James Brown. Aliás, essa é até uma coisa interessante de se pensar: qual a real contribuição do baterista quando a idéia da batida surge na cabeça do vocalista (que, no caso, também era baterista)? De qualquer forma, o simples fato de alguém conseguir executar (com tanta categoria) uma coisa tão complicada (para época) é motivo de admiração.

PS. 3 – Quem quiser ouvir essa música numa versão diferente, é só alugar “48 Horas, parte 2” e curtir o Eddie Murhpy cantando no ônibus, saindo da prisão. Sensacional...




STEPHEN MORIS
Age of Consent

NEW ORDER – POWER, CORRUPTION & LIES, 1983
Desde a época do Joy Division, a onda de Stephen Morris era outra. Ele tocava dum jeito diferente, durão, como se tivesse aprendido a bateria na marra (talvez tenha sido assim, mesmo). Mas numa banda onde o baixo é tão agudo quanto a guitarra, não poderíamos esperar um baterista tradicional, né? O fato é que SM e suas batidas diferentes casam muito bem nas composições. Particularmente, no caso do New Order, prefiro as batidas tocadas por ele, ao invés das programadas.

PS. 4 – Eu considero aquela cena do filme “24 Hour Party People”, em que o Stephen Morris fica tocando em cima do telhado, sozinho, depois de todos terem saído do estúdio de gravação, uma das mais engraçadas que já vi.

PS. 5 – Seguindo a dica do meu amigo Elcio Jr, vou disponibilizar, sempre que possível um vídeo que tenha a ver com o post. Por isso, aqui vai o New Order, em 1984, tocando essa música no estúdio.

http://www.youtube.com/watch?v=0VcGJZpfl1c&mode=related&search=



TERRY BOZZIO
Wind Up Workin' In A Gas Station
FRANK ZAPPA – ZOOT ALLURES, 1976
Simplesmente o melhor baterista que passou pelas dezenas de formações do grupo de Frank Zappa. Na minha opinião, Terry Bozzio foi o que mais se integrou aos conceitos de FZ. E a admiração do patrão por TB era tamanha que ele escreveu um solo de bateria só para ele. A peça se chama “The Black Page”, tamanha era a quantidade de notas na partitura. Além disso, TB era muito musical (cantava bem para burro) e sabia dosar muitíssimo a sua tremenda técnica com um feeling impecável. Escolhi essa música por dois motivos: 1º, está num disco que adoro; 2º, tinha a duração adequada para o podcast. Além disso, é muitíssimo bem tocada. Reparem como a bateria passa pelas partes complicadas sem nunca perder a pressão.


JOHN GUERIN
Free Man in Paris
JONI MITCHEL – COURT AND SPARK, 1974
Tocar bateria numa banda que tem violão (e que não seja MPB!) é sempre uma benção. Pq o violão amarra o som de tal forma, que a bateria fica mais livre, além de não precisar meter a mão (já que os volumes normalmente são mais baixos). E essa versão é bem o caso. A bateria toca por cima de todo mundo, bem suave, mas cheia de balanço. A classe de JG (famoso músico de estúdio nos anos 70) é imensa, e ele segue todas as “curvas” de compasso do arranjo sem se chocar com nenhum instrumento. Swing de sobra num arranjo bem sofisticado. O que não é novidade, já que JM não contratava vagabundo para a sua banda.


JAMES STROUD
Groove Me
KING FLOYD – SINGLE, 1970
Confesso que nunca ouvi falar de James Stroud na vida. Por isso fui atrás de alguma informação que me ajudasse a entender a admiração incondicional que tenho por essa gravação. No final, descobri que ele era um músico de estúdio e que hoje é um produtor de sucesso em Nashville. Não ajudou muito, né? De qualquer forma, adoro a “aparente” simplicidade com que essa música é tocada. Digo “aparente” pq não é nada simples manter essa batida o tempo inteiro, sem atropelar, sem invadir o espaço dos outros instrumentos (e essa música é toda dividida). O baixo e a voz talvez sejam as coisas mais fodas da música, mas essa bateria sempre foi, para mim, referência de groove (ê trocadilho safado...).


AL JACKSON, JR
Shake
OTIS REDDING – OTIS BLUE: OTIS REDDING SINGS THE SOUL, 1965
Deixei o mais foda dos fodas para o final. Quando assunto é soul, ninguém, mas ninguém mesmo, chega perto de Al Jackson Jr. Ele foi o baterista oficial da Stax nas décadas em que o selo era sinônimo de soul e rivalizava com a Motown. AJ era o baterista do Booker T. & The MG‘s, sensacional grupo que acompanhava, ao vivo e no estúdio, o lendário Otis Redding. “Shake” é um dos clássicos do também legendário Sam Cooke, mas OR, com a ajuda providencial de Al Jackson Jr, dá nova cara à música, transformando-a em uma de suas composições. Notem como AJ tem o controle total do arranjo e vai regendo as passagens de trás da bateria, empurrando a batida, sem perder um centímetro do balanço.

Era isso.
abs
Txotxa

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Coletânea, Vol. 1

Parece preguiça (não é, juro), mas eu resolvi misturar alguns bateristas numa mesma postagem. São caras que eu não sei se conseguiria escrever separadamente sobre cada um. Por isso, montei um podcast com um time de 1ª.
Espero que gostem...

Podcast: http://lomez.mypodcast.com/

JAMES GADSON
Use Me
BILL WITHERS – STILL BILL, 1972
JG é um dos bateristas com mais horas de gravações (e sucessos) no currículo. Tocou com muita gente da pesada, mas sempre manteve o clima leve nas suas batidas. Leve, mas não frouxo ou mole. Essa música é um ótimo exemplo de como sabia (e ainda sabe) manter uma cadência e dividir a batida. Já ouvi outras gravações para essa música (uma até do Mick Jagger), mas ninguém chega perto dessa levada, com apenas caixa, bumbo e ximbau. Essa é a prova de que as máquinas nunca vão chegar perto dos grandes perto dos bateristas.




BILL BRUFORD
America (Single Version)
YES – SINGLE, 1971
Sempre achei o BB meio mala. Em várias vezes já o vi reclamando de música alta, de música muito fácil, de músico que não estuda. De qualquer forma, a sua bateria não tem nada de chata. Ele é um cara que entende muito de dinâmica e de espaços. Tocou nos grandes grupos de rock progressivo e mantém a sua própria banda a todo vapor. Nessa gravação (aliás, em todas que ele fez com o Yes) eu adoro o som da bateria. É uma das melhores versões que eu já ouvi das músicas de Simon & Garfunkel (apesar do clima percussivo no final).


BILLY FICCA
See No Evil

TELEVISION – MARQUEE MOON, 1977
Não entendo como esse cara pôde passar tão despercebido (pelo menos no meu universo). Acho que nunca ouvi ninguém falar da bateria desse disco. É claro que as guitarras chamam muito a atenção, mas a jeito que BF toca é muito sofisticado para a época. Ele tem técnica e swing suficientes para colocar qualquer um de sua geração no bolso. E essa música, além de muito foda, consegue mostrar bem a arte de BF: cadência, bom gosto na composição, excelente uso do ximbau dos pratos.

PRINCE
Soft And Wet
PRINCE – FOR YOU, 1978
Esse aí é um fenômeno. Miles Davis disse que sabia, sempre, quando o baterista era Prince ou um outro músico. Eu até me arrisco em alguns palpites, tamanho é o seu estilo como baterista. Note como a bateria toca simples, mas sempre no espaço certo do compasso. E a forma como ela e as palmas se completam é impressionantemente bem pensada (e executada).


DAVID GARIBALDI
Down To The Nightclub
TOWER OF POWER – BUMP CITY, 1972
O TOP é uma das bandas mais precisas que eu já ouvi. E essa bateria é uma aula de como não se deixar sobras no som. Cada nota (são tantas) de sua batida é tão bem estruturada que consegue amarrar todo o arranjo (são tão complicados). É como se DG acompanhasse todos os instrumentos de uma só vez, não apenas o baixo, independente da dificuldade implicada nesse processo. Sempre que penso em tocar uma batida mais intrínseca (mas sem perder o feeling) tento, sem sucesso, imitar Mr. Garibaldi.


FABRIZIO MORETTI
You Only Live Once
THE STROKES – FIRST IMPRESSIONS OF EARTH, 2005
Confesso que não sou especialista no som dos Strokes, muito menos na batida de FM. Mas quando ouvi esse disco, e essa música abre o disco, fiquei de cara. A levada que ele faz com a mão direita (e que som maneiro) é sensacional. E isso fica claro quando ele passa para o ximbau, soltando a batida. Isso é arranjo foda e o resto é brincadeira. Curiosidade: alguém aí também acha a intro dessa música igual a intro de “I Want To Break Free”, do Queen?


ALAN WHITE
How?
JOHN LENNON – IMAGINE, 1971
Já que incluí o Bill Bruford nessa lista, não quis deixar de fora o Alan White (que sempre me pareceu mais legal que seu antecessor no Yes). Não só por isso, mas pelas tremendas qualidades que tem como baterista. Poucos caras na história passaram pelo seu batismo de fogo: tocar num show, sem ensaio, com John Lennon e Eric Clapton. Causou tão boa impressão que acabou participando de alguns discos de JLennon. Entre todas essas gravações, gosto muito dessa. A forma com que a bateria toca e deixa os espaços é dificílima de se executar. O arranjo dessa música é complicado, mas AW, na minha opinião, se sai muitíssimo bem.


STEVE FERRONE
You Don't Know How it Feels
TOM PETTY – WILDFLOWERS, 1994
Essa música é uma aula de bateria. Steve Ferrone toca a mesma célula (com apenas uma alteração de nada) durante os quase 5’ de gravação. Já vi SF tocando com o Duran Duran (no Brasil), com o Eric Clapton (em Brasília), mas eu acho que esse esquema com o Tom Petty funcionou muito melhor. Outra coisa legal é o fato de SF usar apenas ximbau, bumbo e caixa nessa música e, ainda assim, consegue dar toda a dinâmica que a música necessita.


ROGER HAWKINS
The Weight
ARETHA FRANKLIN – THIS GIRL'S IN LOVE WITH YOU, 1970
Esse é tão foda quanto esquecido. Quer dizer, algumas pessoas ainda lembram que era ele a máquina propulsora dos Muscle Shoals (estúdio no sul dos EUA que ajudou a definir o som de Aretha Franklin, Wilson Pickett, Paul Simon entre muitos outros), mas não vejo RH ser devidamente homenageado pelos músicos de hoje. Note o balanço da bateria, veja como ela empurra a música e, ainda, consegue manter-se em seu lugar. Detalhe: nessa versão para o clássico do The Band, quem toca o slide é ninguém menos do que Duanne Allman.


NATHAN FOLLOWILL
King Of The Rodeo
KINGS OF LEON – AHA SHAKE HEARTBREAK, 2004
Essa banda é bem foda. Só fui conhecê-la com atraso, na época em que vieram ao Brasil. Uma coisa engraçada a respeito desse baterista é que ele não chama muito a atenção nem pelo som (que soa pequeno nas gravações) e nem pelo visual (usa um set limpo, econômico). Mas é só prestar atenção (de verdade) na batida para notar o quanto ele é um músico ligado. Mesmo numa banda que tem um clima meio “largado”, a bateria de NF é muito bem dividida e ajuda bastante os arranjos dos irmãos.


OMAR HAKIM
Corner Pocket
WEATHER REPORT – SPORTIN' LIFE, 1984
Omar Hakim foi um dos meus primeiros heróis da bateria. Até hoje eu o considero fodasso. Essa música resume bem todas as suas qualidades: ritmo impecável, dinâmica no lugar certo e um balanço livre-leve-e-solto. O tempo em que ele tocou com o Weather Report (até o Sting comprar o seu passe) representa, para mim, uma das 3 melhores formações do grupo. Gosto muito desse disco, apesar dos fãs da fase mais jazz do grupo desconsiderarem completamente o álbum. Detalhe para a participação de Bobby McFerrin no comecinho da música.


Era isso.
abs
Txotxa