quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Larry Mullen Jr.


Larry Mullen Jr é um cara que há muito tempo admiro. Seja por sua conduta low profile na maior banda de rock das últimas décadas, seja por seu estilo atrás da bateria, LM sempre teve a minha torcida. Ele toca simples, mas com uma pressão e precisão que não estamos acostumados a ouvir. Daniel Lanois, um dos sócios-produtores do grupo, foi quem melhor resumiu a arte de Larry Mullen com as baquetas: “He always delivers”. Não importa a situação, o arranjo, o dia, LM facilita a vida de qualquer produtor e engenheiro de som, pois toca com a firmeza de quem sabe exatamente o que quer. E isso, por mais elementar que possa parecer, não é nada simples. É comum vermos um músico querendo tocar além do que sabe e se atrapalhar numa gravação, num ensaio ou num show. Por isso, ter a exata noção de suas capacidades é tão importante quanto ter de fato essas capacidades. E Larry Mullen sabe disso.

Desde o primeiro disco do grupo, ficou claro que LM não era um baterista comum. Nem tanto por sua técnica (que era similar a da maioria dos bateristas do pós-punk), mas por sua decisão na hora de tocar. A impressão que me passa ao ouvir as suas baterias (das antigas às mais recentes) é que está tudo escrito em algum lugar. John Bonham é um cara que passa essa impressão, mas podemos sempre ouvir algum improviso seu (principalmente ao vivo). Já LM, no momento em que define a batida em sua cabeça, segue inabalável, sem dúvidas quanto à qualidade do que está fazendo. Numa analogia futebolística, isso corresponderia a um jogador que bate sempre bem na bola, sempre na direção certa, sempre com objetividade, sempre jogando em prol do time. E isso, na minha opinião, é a principal e a primeira função de qualquer baterista: jogar para o time. Isso implica em criar uma certa batida, num certo andamento, com uma certa inflexão, que faça com que os músicos ao seu redor toquem mais fácil, toquem melhor. E Larry Mullen faz isso.

No campo menos musical, curto o seu visual clássico bonitão. Desde que resolveu arrepiar os cabelos curtos, nunca mais mudou. Seus colegas já tiveram milhões de disfarces ao longo dos anos, mas LM mantém-se fiel ao seu buzz cut. Além disso, ele é o único cara no mundo que, quando necessário, tem a moral de puxar a orelha do vocalista Bono. Há pouco tempo, quando Bono, por conta de suas atividades extra-musicais, começou a faltar com o U2, foi Larry quem o chamou na regulagem.

Bom, além de tudo isso, Larry Mullen Jr bolou a introdução de bateria mais tocada em todos os tempos (pelo menos nos meus anos 80): “Sunday Bloody Sunday”. Sério, quando esse disco bombou aqui no Brasil, 10 entre 10 bateristas tocavam (ou tentavam tocar) essa batida. Quem soubesse tocá-la se diferenciava instantaneamente do resto da gentalha. E vou te falar uma coisa: nesses 24 anos desde que a música surgiu, nunca ouvi ninguém tocar da mesma forma que Larry Mullen Jr. Mesmo com apenas 20 anos, ele sabia muito bem o que estava fazendo.

Vamos à seleção musical...
http://canal.podcast1.com.br/lomez

OUT OF CONTROL
Boy, 1980
Gosto muito dessa melodia. Dá para ouvir a voz do Bono ainda se acertando, mas a banda já tinha a pegada firme. Acho muito legal o fato de Larry Mullen tocar o bumbo em todos os tempos do compasso. Dá um balanço sensacional, empurrando a música o tempo inteiro. E o arranjo é bem legal também. Poucas vezes o U2 produziu uma música tão direta e empolgante assim.

''40''
War, 1983
Apesar de “Sunday Bloody Sunday” ter sido eleita “a bateria” desse disco, “40” é muito mais complicada. Aliás, toda batida nesse andamento é complicada, pq o baterista (e a banda) tende a atrasar. Além disso, o clima dela é bem de R&B, o que dificulta ainda mais – além da pegada firme, o cara ainda tem que dar o balanço. No finzinho, antes do fade out, LM faz uma variação na caixa que parece meio errada. Não sei... Só sei que se foi erro, ele fez muito bem em não parar o take – uma performance dessas não se repete assim tão facilmente. Me admira que essa batida não tenha ainda sido sampleada.

MYSTERIOUS WAYS
Achtung Baby, 1991
Quando esse disco saiu, a imprensa louvou a mudança de rumo do U2. Muito se falou dos arranjos, dos conceitos, dos timbres, das letras, mas quase ninguém falou da bateria. No documentário do disco, Larry Mullen aparece dizendo: “a melhor coisa do disco é a bateria”. Não sei se a melhor, mas foi ela que tornou possível essa guinada musical do U2. Se ouvirmos os discos anteriores do grupo, não vamos encontrar nada nas batidas que aponte para a revolução de “Achtung Baby”. LM toca nesse disco (e nessa música) com um balanço fenomenal, cheio de swing, mas com a pegada fortíssima de quem veio do rock. E tocar um ritmo desses sem encher a batida de notas é mesmo para poucos.

ENDLESS DEEP
Single, 1983
Logo que comecei a tocar com a Plebe, o André me emprestou um bando de discos sensacionais. Dentre eles, estava o 1º do Comsat Angels. Quando ouvi, achei algumas coisas muito parecidas com o U2. Depois fiquei sabendo que eles (U2) abriram uma das turnês do grupo – o que talvez explique a paixão (copiada?) do The Edge pelos harmônicos na guitarra. Essa música me lembra vagamente o Comsat Angels. Mas o que eu gosto mesmo é a forma como Larry Mullen e Adam Clayton funcionam juntos nessa gravação. Desde cedo os dois já mostravam talento para tocarem juntos.

IN GOD'S COUNTRY
The Joshua Tree, 1987

U2 clássico. Gosto muito do arranjo dessa música. É uma coisa simples, mas note como o baixo para de tocar todo fim do compasso, criando o espaço para a virada da bateria. Acho legal também o fato de Larry Mullen usar, nessa música, o surdo no lado esquerdo – dá um clima diferente para a execução. Uma curiosidade sobre essa época é que LM não usava prato de condução, tamanho era o seu comprometimento com o cerne da batida.

THE REFUGEE
War, 1983
Aqui LM dá show, usando tambores, timbales, cowbells e tudo mais. Linha de baixo muito bacana, também. E guitarra nota 10! Eu era muito moleque para acompanhar as críticas mais adultas sobre esse disco, mas a qualidade de LM nesse disco é digna de nota. Talvez por dividir os holofotes com The Edge (que é um dos maiores guitarristas do séc. XX), Larry Mullen tenha sido sempre meio desprezado.

THE ELECTRIC CO.
Boy, 1980

Uma das melhores músicas do U2. Vi que eles voltaram a tocá-la nessa última turnê. Sensacional. É uma aula de vitalidade na bateria. Note como LM toca o tempo inteiro, mudando as batidas, numa música cheia de partes, com várias dinâmicas. A guitarra do The Edge é também uma das melhores. E Adam Clayton nunca mais chegou perto desse gás nas 4 cordas. E quem se importa com o andamento dando uma corridinha do meio para o final? Sem trocadilhos, uma das performances mais eletrizantes do grupo.

BEAUTIFUL DAY
All That You Can't Leave Behind, 2000
Essa tocou muito. O grande barato é ouvir como LM tira de letra um troço que é o pesadelo de qualquer baterista de rock: tocar em cima de uma base gravada. E ele faz isso ao vivo do mesmo jeito, sem suar. Esse disco mostra como a relação músico-produtor é uma coisa importante. Independente do gosto, todos os discos do U2 que foram produzidos por Daniel Lanois têm baterias sensacionais. E isso vem da admiração incondicional que DL tem por LM. No documentário do “Joshua Tree”, tem uma cena em que Larry Mullen grava a bateria e Daniel Lanois aparece vibrando, batendo cabeça atrás do vidro da técnica.

LIKE A SONG...
War, 1983
Essa é pelo som de bateria, quase industrial. Uma coisa que não se ouve mais é o baterista variar a batida o ximbau (dobrando as notas) no meio da música. Não sei se é pq se tornou uma coisa uma coisa muito batida nos anos 80 – cara dobrava no refrão e diminuía na estrofe (ou vice-versa). Aqui LM faz isso com categoria, sem perder a pegada. Gosto muito da levada dos tambores, também.

BAD
The Unforgettable Fire, 1984

Aqui, Larry Mullen dá uma aula no quesito dinâmica e orquestração dos seus tambores. Note como a bateria vai crescendo junto com a música. E não é só no volume – ele muda as partes da bateria para acompanhar o arranjo. Não tem nada de revolucionário, eu sei, mas é de um bom gosto fora do comum. Essa música ficou meio desgastada, com um jeitão de hino, mas mostra o quanto o U2 era uma banda musicalmente superior. Afinal, são dois acordes (acho que é isso, né?) tocados ao longo de 6’, sem nenhuma gordura no arranjo. E que baixo, hein?

Era isso.
abs
Txotxa

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Max Roach (1924 – 2007)


Antes de mais nada, queria explicar um pouco como é a minha rotina na criação das postagens. É mais ou menos assim: depois que escolho o baterista, vou atrás da seleção musical. No caso de caras de banda isso é mais fácil, pois vou atrás da discografia do grupo e pronto. Quando não tenho um disco, baixo e tá tudo em cima. Já com os carinhas mais velhos (e com essa galera do jazz vai ser sempre assim) a coisa fica mais difícil. Eu tenho a maioria dos discos que eu pretendo listar (até mesmo pq foram esses os discos que me fizeram gostar desses caras), mas como esses sacanas possuem uma discografia imensa (não só como líderes, mas também como acompanhantes), daria um trabalho animal ir atrás de TODOS esses discos. Por isso, as músicas que entram no podcast obedecem aos seguintes critérios: (1) são artisticamente representativas; (2) dão pano para a manga (texto); e (3) podem agradar o público que não é baterista. E quanto à pesquisa, eu me comprometi a não correr atrás muito de biografias. Começo sempre com o que já sei e vou apenas checando (datas, principalmente) nas Wikis da vida.

Bom, vamos então ao homenageado de hoje, um dos maiores gênios (e aqui a gente pode usar essa palavra) que já segurou uma baqueta: Max Roach. Eu sempre tive a maior simpatia por MR. Os outros fodões do jazz me metiam medo, muitos pelo fato de serem junkies barra pesada, outros por serem meio marginais. Max Roach, no entanto, sempre me transmitiu uma boa vibe.

Além disso, a sua bateria era (e foi até a sua morte) sinônimo de responsabilidade, de dedicação, de comprometimento com uma coisa maior, maior que ele, que os seus amigos músicos, que a cena bebop de Nova Iorque (que ele ajudou a criar e consolidar). Maior até mesmo que o jazz. Cada batida de Max Roach se reportava diretamente à cultura milenar da África, à cultura dos seus antepassados, e respeitava e honrava essa tradição.

É claro que era um jazzista, mas tinha uma consciência (e talvez ele tenha sido o maior nesse sentido) que a música podia, e devia, se envolver nas questões sociais, como, por exemplo, a luta por direitos civis dos negros norte-americanos nos anos 60. Para MR, a música deveria ser um statement, deveria representar (e defender) algo.

Não quero passar a idéia de que ele era um desses ativistas chatos (até mesmo pq essa veia mais “revolucionária” só surgiu com o passar da idade). Max Roach era um músico fodasso, daqueles que metem medo (no sentido musical) em qualquer um, que escreveu boa parte do dicionário do jazz moderno. Entre os anos 40 e 60, tocou com os maiores. E, até hoje, é considerado o mais moderno de todos os bateristas. Se não existisse Max Roach, certamente não haveria Tony William, Elvin Jones, Jeff “Tain” Watts, Steve Gadd, Jack DeJohnette, entre outros.

Vou falar mais sobre MR na seleção musical, mas, antes, gostaria de contar uma história engraçada sobre ele e Miles Davis. Os dois eram muito amigos, e quando Miles chegou a NY, Max foi o cara que ele mais se apegou. Com o passar dos anos, os dois seguiram caminhos diferentes, mas sempre mantiveram o contato, e, eventualmente, se envolviam musicalmente (MR tocou bateria no clássico “Birth Of The Cool”, de Miles). Mas nos anos 60, quando o ativismo de MR estava a mil por hora, Miles (que estava pouco se lixando na época) foi fazer um show na Califórnia e Max, junto com a sua galera radical, resolveu protestar e se sentou no palco, aos pés de Miles, atrapalhando o show dele. O engraçado, mesmo, é a forma com que Miles descreve a situação, xingando o amigo.

Bom, vamos à seleção musical de hoje:
Podcast - http://canal.podcast1.com.br/lomez

"Dr. Free-Zee"
Max Roach + 4
Max Roach + 4, 1956
Vc pode medir o quão musical é um baterista analisando a forma com que ele segue as pausas de uma música. Tem gente que toca apenas nos ataques, outros ficam tocando entre as pausas e se esquecem de parar na hora certa, e alguns poucos (Roach é um deles) fazem tudo certo: param junto com a banda e dão um colorido entre esses pausas, criando, sem muita cerimônia, um outro tema dentro da composição original – eu é o caso dessa música. Outro detalhe importante é o tímpano (gravado depois por Max Roach). Note como ele repete a melodia, e ainda interage com a sua bateria, gravada anteriormente.

"Toot, Toot, Tootsie, Goodbye"
The Buddy Rich Quintet & The Max Roach Quintet
Rich versus Roach, 1959
A idéia de um duelo entre músicos não é muito considerada nos dias de hoje. De vez em quando, nesses festivais de bateria que acontecem no mundo inteiro, a gente até encontra algumas disputas entre bateristas, mas, na minha opinião, elas deixam a desejar sempre nos mesmos pontos: os jurados são todos bateristas e os competidores não querem mais destruir musicalmente seus adversários, o que deixa a coisa toda meio insossa. Antigamente, nos EUA, vc tinha famosas batalhas na TV aberta, em programas de auditório, onde o público comum era o juiz, e os bateristas não tinham piedade do colega. Um episódio engraçado ilustra bem essa atitude: Buddy Rich foi convidado a duelar com o baterista Ed Shaughnessy no popularíssimo “Tonight Show”, de Johnny Carson. Nos camarins, antes do show, Ed pediu para Buddy (que era um monstro) dar uma aliviada, e que não fizesse alguns de seus truques arrasadores. Buddy disse que tudo bem. Quando a batalha começou, Ed arrebentou e ganhou a simpatia do público. Buddy, ao perceber que poderia perder a disputa, sacou suas armas mais poderosas e destruiu Ed. E os dois saíram rindo. A disputa era exclusivamente musical. 100%.
De todas essas “drum battles”, uma muito famosa era a que acontecia entre Buddy Rich e Max Roach. Os dois tinham estilos muito diferentes – o primeiro era mais clássico, e o segundo, um representante da modernidade. Mas ambos eram muito técnicos e cheios de energia. Curiosamente, sempre que os dois encontravam Gene Krupa pelo caminho, perdiam feio. Krupa jogava para a galera (e não é isso que o músico deve fazer?) e, mesmo sendo tecnicamente inferior aos dois, sabia distinguir bem o gosto do baterista do gosto popular.
Bom, nem preciso falar muito dessa música, apenas que Buddy está no canal esquerdo e Max, no direito. Ouça com atenção e escolha o seu vencedor.

"St. Louis Blues"
Max Roach
Drums Unlimited, 1966
Um ótimo momento do encontro entre o tradicional e o moderno. Logo após o tema do sax soprano, a música dá a sua 1ª guinada, com bateria, piano e trompete lembrando, mesmo que de forma muito doida, o clima de uma parada em Nova Orleans. E quando o sax alto toma conta, o andamento dobra a e a música decola. É então a partir do solo do fodasso Freddie Hubbard que podemos perceber a grandeza de Max Roach atrás da bateria. Ele empurra a música a mil por hora, sem perder um notinha sequer, ao mesmo tempo em que interage, quase que instantaneamente, com os solos dos colegas. Os anos em que ele acompanhou Charlie Parker (a mente mais rápida que já tocou um instrumento) certamente o ajudaram a desenvolver essa telepatia musical.

"A Little Max (Parfait)"
Duke Ellington, Charles Mingus and Max Roach
Money Jungle, 1962
Imagine se o futebol não fosse um esporte casca-grossa, daqueles que acaba com o corpo do cidadão em um curto espaço de tempo. Dessa forma, caras como Pelé, Garrincha, Zizinho, Gerson e Ademir da Guia poderiam, em condições de quase igualdade física, jogar com Ronaldinho Gaúcho e Kaká. Pois bem, esse disco apresenta, nessa analogia infanto-juvenil, um time formado por Didi, Romário e Nilton Santos.
Duke Ellington é um dos maiores músicos da história. Ele divide com Louis Armstrong o título de gênio absoluto do jazz. Charlie Mingus é normalmente chamado de gênio (mais até pelas suas excentricidades do que por suas composições), e criou uma vertente musical que começa e acaba com ele (tamanha era a sua inventividade).
Era de se esperar, portanto, como acontece no futebol, que um time com tantas estrelas não jogasse nada. Mas o que acontece aqui é exatamente o contrário. Os 3 funcionam perfeitamente bem. Gosto dessa música (e desse disco) principalmente pelo piano de Duke Ellington. Ele conhece bem os segredos seculares do instrumento. No jazz, poucos entenderam o piano tão bem como Duke, Art Tatum e Nat “King” Cole.

"Brilliant Corners"
Thelonious Monk
Brilliant Corners, 1956
Na minha opinião, um dos melhores discos de Thelonious Monk. Musicalmente, gosto mais das composições dos anos seguintes, mas o conceito desse disco é muito bem amarrado. E o fato de ter MR na bateria torna a coisa ainda mais acertada. Quer dizer, eu acho os outros bateristas que tocaram com Monk funcionavam melhor para as suas composições. Mas a diferença de um cara como Max Roach na bateria, tocando muito mais notas e ocupando mais os espaços, cria um clima bacana para os arranjos, dividindo um pouco da atenção com o piano. Muito legal também é a forma como o andamento vai dobrando ao longo da música.

"Daahoud"
Clifford Brown and Max Roach
Clifford Brown and Max Roach, 1954

De todas as tragédias ocorridas no jazz, a morte de Clifford Brown é uma das mais sentidas. Não sou em quem diz, e sim a maioria dos críticos musicais. Clifford Brown tinha tudo, mas tudo mesmo, para se tornar o maior trompetista de todos os tempos. Tocava fácil coisas que eram dificílimas, sempre com o som cheio, com muito estilo. E, além disso, era um ótimo compositor. Ele morreu aos 26 anos, na época em que liderava, junto com Max Roach, seu quinteto, considerado um dos melhores da época. E numa época em que o quinteto do momento era o de Miles Davis, com um jovem John Coltrane. Aliás, eu diria que o quinteto de Brown e Roach era um dos poucos que poderia ganhar de barbada do grupo de Miles.

PS. Lembro que numas férias em Salvador, no início dos anos 90, conheci um carinha que era vidrado em jazz. Numa de nossas muitas conversas ele me contou sobre Clifford Brown, que tinha descoberto a sua música, mas não via ninguém falando dele, nem no rádio, nem na TV, nem nos jornais. Eu, claro, assim que cheguei em BsB fui atrás da fera. Cheguei a comprar várias coisas dele, mas por conta de dívidas como as locadoras de vídeo (acredite se quiser), tive que vender os discos para o sebo a preço de banana. O fato é que, até hoje, Clifford Brown ainda não recebe a atenção que merece.

"Bastille Day"
Max Roach and Dizzy Gillespie
Max + Dizzy – Paris, 1989
Dizzie Gillespie é um dos maiores gênios do jazz. Se não está no patamar de Duke Ellington, chega ali pertinho, graças ao seu virtuosismo no trompete, às suas composições e à sua mente extremamente privilegiada. Numa época em que os futuros príncipes do jazz (Bud Powell, Charlie Parker, Fats Navarro, Charlie Mingus, Thelonious Monk, entre outros) se perdiam nas paranóias do mundo das drogas, Dizzy mantinha a cabeça sempre limpa, sempre fresca e sempre apontada para o futuro. Se não fosse ele, por exemplo, não existiria essa ponte entre o jazz e a música cubana. Dizzy foi um dos primeiros a perceber o quanto o jazz poderia (e deveria) ser tratado como uma forma respeitada de arte.
Pois bem, esse disco marca o encontro entre dois grandes amigos, dois grandes mestres da arte de improvisar. E apenas os dois – o disco conta apenas com o trompete (e às vezes a voz) de Dizzy e a bateria de Max Roach. Escolhi essa música pq mostra um balanço diferente da bateria de Max Roach. Aliás, é importante mencionar que MR foi um dos primeiros jazzistas a perceber que o futuro da música negra estava no Rap.

"Man from South Africa"
Max Roach
Percussion Bitter Sweet, 1961
Aqui Max Roach estava no auge da sua fase cabeça. A começar pelo título, passando pela instrumentação e pela composição, ele coloca o seu jazz num patamar de coisa muito séria e com uma mensagem. Nesses compassos em tempos pouco usuais (essa música é em 7), podemos perceber o quanto o baterista entende do riscado. Normalmente, as divisões dos tempos em 5, 3 ou 9 soam muito duras, muito matemáticas. Gosto dos caras que conseguem fazer essas mudanças soarem macias, quase que naturais aos ouvidos. Quer dizer, naturais elas são, mas como a gente está acostumado a ouvir as coisas em 4/4, qualquer conta mais ímpar cria um certo incômodo na orelha. O nível desse incômodo, claro, é proporcional à qualidade de quem toca (e de quem ouve). Nota 10 para as congas, que conseguem dar um balanço fenomenal à batida.

"Anthropology"
Max Roach 4
The Max Roach 4 Plays Charlie Parker, 1957
Clássico de Charlie Parker. Aqui, Max Roach, em homenagem ao falecido amigo, dá a sua versão para uma das pedras fundamentais do bebop. MR tocou com CP por muitos anos (os principais) e proporcionou a dinâmica rítmica necessária para CP desenvolver a sua revolução. É interessante notar que essa gravação (assim como esse disco) não possui piano. Isso, ao mesmo tempo em que cria um “buraco” harmônico, dá muita liberdade para os solistas (e, conseqüentemente, para a seção rítmica). Gosto muito da forma como MR vai acompanhando os solos dos colegas. Além disso, a energia da bateria parece inesgotável. Hoje, acho que poucos carinhas conseguiriam tocar dessa forma, nessa velocidade, com essa intensidade.

"The Drum Also Waltzes"
Max Roach
Drums Unlimited, 1966
Quando falei mais cedo sobre a arte como forma de statement, essa música é um ótimo exemplo. Max Roach defendia que a bateria deveria ser tratada como uma pequena orquestra, com peças distintas que, dependendo do contexto, poderiam soar explosivamente juntas ou harmonicamente separadas. Aqui, ele escolheu a segunda opção. Sem querer entrar na questão técnica da coisa, é importante saber que essa música, assim como aquelas valsas de Strauss, funciona no compasso de 3 tempos. O que Max Roach fez de sensacional (além do statement em si) foi manter, ao longo de toda a música, os pés marcando o pulso em 3/4, deixando as mãos livres para solar (e isso é, até hoje, dificílimo). Nessa peça, MR segue a estrutura clássica do jazz, com a apresentação do tema, seguida pelos improvisos, voltando, no final, ao tema. A palavra é gasta e mal usada, eu sei, mas Max Roach aqui é verdadeiramente um artista.

PS. Sempre que alguém puxa assunto comigo sobre bateria, aponta a dificuldade que é usar os pés e as mãos de uma só vez. E eu sempre digo: “Isso é muito mais simples do que parece. A bateria segue apenas o balanço da música – os pés e as mãos vão atrás”. Difícil mesmo, eu sempre penso, é domesticar o instrumento e fazer o que MR fez nessa música.

"Onomatopoeia"
Max Roach
M'Boom, 1979
Nesse disco, Max Roach juntou um time de bateristas de primeira e montou um grupo só de percussão. A sua idéia era trazer a “turma do fundão” para frente do grupo e mostrar como esses instrumentos sozinhos podem dar vida a uma composição (e a um disco). Veja bem, estamos falando do jazz, e não da música erudita, onde existem peças inteiras dedicadas aos percussionistas. Na realidade de Max Roach, com sua ilibada reputação de jazzista, pensar num disco sem sax, trompete ou piano (mesmo no final dos anos 70), parecia algo descabido. O fato é esse disco cumpre o seu papel vanguardista e mostra que bumbo, marimba, tímpanos, vibrafone, xilofone, congas e, claro, bateria, dão conta de qualquer recado. Note como o arranjo dessa música é maneiro: começa meio zoneado, com um clima solto, para chegar numa batida de 11 tempos que vai crescendo, crescendo, num ritmo quase hipnótico.

"Backward Country Boy Blues"
Duke Ellington w/ Mingus & Roach
Money Jungle, 1962
Já falei sobre esse disco antes, por isso vou encurtar a conversa. Vou só reforçar o quanto acho legal esse arranjo, 100% blues, com um piano clássico, com o baixo quase que solando o tempo inteiro e com a bateria dando todo o balanço. É uma daquelas gravações que a gente gostaria de estar lá, batendo os pés e as mãos junto com a música.

Era isso.
abs
Txotxa