segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Chad Smith


De volta ao batente.
Depois de um semestre de folga, resolvi criar vergonha na cara e postar alguma coisa. Primeiramente, queria agradecer aos colegas que postaram comentários corrigitivos às considerações que fiz sobre Carlton Barrett. No começo, fiquei envergonhado de ter escrito besteira, mas, depois de ter domado meu espírito leonino, entendi que isso faz bem ao processo de resenhar qualquer coisa. Quando a gente começa a acreditar que sabe muito, tá passando da hora de aprender mais.

Dito isso, vamos ao homenageado de hoje: CHAD SMITH.


Os amigos mais próximos sabem que nunca poupei críticas a ele (e, especialmente ao vocalista Anthony Kieds). No entanto, ao longo dos últimos anos, fui criando uma simpatia pelo gigante baterista – seja por sua persona, seja pela sua qualidade como músico.

Tanto que hj, depois de muito reclamar de sua batida (muito quadrada e repetitiva), entendo, finalmente, o que CS quer dizer quando desce a porrada em seu kit. Na verdade, não é nada de tão misterioso assim: Chad Smith toca o que pede a música. Nem mais, nem menos. E ouvindo atentamente os discos do Red Hot Chili Peppers (e as coisas que ele anda gravando com o Glenn Hughes, ex-Deep Purple), fica claro que ele entende muito bem do riscado.

Além disso, falar de Chad Smith é falar do baterista de uma das maiores bandas do planeta atualmente. E de lambuja me sobra espaço para escrever sobre o Flea, que, na minha humilde opinião, é um dos maiores baixistas de todos os tempos.

Vamos à seleção: http://lomez.mypodcast.com

SIKAMIKANICO
Blood Sugar Sex Magik, 1991 (Outtakes)
Ouvi essa pela 1a vez no filme “Wayne's World”, quando Wayne e Cassandra passeiam de Mirthmobile pelas ruas de Aurora, subúrbio de Chicago (momento nerd, hehehe). Depois, naquele documentário sobre a gravação do BSSM, vi o Frusciante gravando esse riff. Não entendo pq essa música não entrou no disco... De qualquer forma, gosto muito da forma com que Chad Smith toca essa batida, que muito parece um James Brown ligado em anfetamina anos 90. Outra coisa legal do arranjo é que o baixo não toca nas estofes. Essa música mostra muito bem a potência sonora do RHCP nessa época. É uma pena que o Frusciante não tenha agüentado a vida nas turnês e pulado fora (o que acabou levando-o a uma vida de mendicância). Sabe-se lá como seria o som deles se tivessem continuado nesse rumo?

I LIKE DIRT
Californication, 1999
Aqui CS leva um som bem no estilo dos vizinhos californianos do Tower of Power. Sua batida nessa música lembra muito (e não fica devendo nada) o toque de David Garibaldi, com umas subdivisões bem sutis e cheias de balanço. Esse tipo de composição é a cara do RHCP: um riff bem sacado e muitas horas de Jam até acertar a estrutura. E o engraçado é que ela é uma das poucas faixas desse disco que não sofrem do mal de um arranjo mal feito, com um refrão que não tem ligação com as estrofes (nem harmônica, nem melódica). De qualquer forma, “Californicaton” marca dois momentos importantes para o grupo: a volta do Frusciante (ainda meio debilitado pelos anos de junkie) e o retorno ao topo das paradas de sucesso no mundo inteiro.

NOBODY WEIRD LIKE ME
Mother's Milk, 1989
Fora o RHCP, acho que nenhuma banda conseguiria gravar um troço desses, com baixo e bateria a mil por hora, colados, tocando uma batida meio complicada e cheia de inflexões. O final da música é meio doente, mas funciona bem. Gosto muito da paradinha que acontece em 8’17”.

TURN IT AGAIN
Stadium Arcadium, 2006
Esse disco tem um som sensacional. É diferente de todas as coisas que o RHCP já gravou, e a voz de Anthony Kieds até que desce macia. Aquela onda de riff + jam parece que não cola mais, e as músicas estão mais com jeito de canção. Até mesmo esse refrão, que a princípio soa estranho em relação às estrofes, tem a ver com o clima da música. A bateria de CS serve muito bem à música (especialmente nas estrofes), com uma batida sólida e cheia de balanço. Com todo o respeito, eu só cortaria o solo de guitarra no final (muito longo, não?). Aliás, é o que vou fazer ☺. Desculpem os guitarristas, mas vai rolar um fade out nesse final...

THE RIGHTEOUS & THE WICKED
Blood Sugar Sex Magik, 1991
Lembro de uma entrevista do grande baterista norte-americano Steve Jordan onde ele analisava vários bateristas de bandas novas. Quando chegou no RHCP (não era essa a música) ele meio que deu uma sacaneada, dando a entender que faltava swing, que a batida era muito dura e tal. Mas isso, no fim das contas, era apenas implicância com o fato de os branquelos da Califórnia estarem sendo vendidos (e muito bem) com uma banda que tinha funk em algum lugar do sobrenome. O fato é que a onda de Chad Smith era outra. O funk dele estava muito mais para John Bonham do que para Funkadelic (apesar das muitas semelhanças). Essa música mostra bem a marcação sólida de CS, sem muitas inflexões, sem muita ligação com o passado da música negra dos EUA. Talvez por isso a bronca de caras mais “old school” com a bateria de Chad Smith. Nada a ver a implicância, já que o som funciona que é uma beleza.

ON MERCURY
By The Way, 2002

Escolhi essa pq é uma das poucas em que CS toca de um jeito mais tradicional, mais rock, meio ska, com o tempo dobrado. Estava lendo uma entrevista do Frusciante (maior responsável pelas melodias e harmonias do grupo) em que ele diz, na época desse disco, estar mais ligado em canções mais estruturadas, em acordes mais bonitos. E essa música é bem nessa linha, com uma estrutura que funciona bem no violão (e sem solos!). Um dos poucos momentos do RHCP sem guitarras distorcidas. Bela música (com guitarras muito bem sacadas).


WALKABOUT

One Hot Minute, 1995
Quando saiu esse disco, me lembro das brincadeiras que fazíamos em relação ao fato de o Dave Navarro ser “menos burro” que os outros 3, o que dificultaria a sua permanência na banda. Não durou dois anos, mas valeu a pena, pq esse disco tem uma cara diferente. É mais amarrado, mais pensado e menos Jimi Hendrix do que todos os outros da carreira do grupo. E a bateria de CS se enquadrou muito bem nessa realidade, tocando partes mais estruturadas, com um som de bateria mais “moderno”, com mais graves, com mais tambores. É um disco meio deprê, mas muito bem acertado.


HUMP DE BUMP

Stadium Arcadium, 2006

Vou ser bem sincero: a bateria é bem maneira – sólida, toca pouco e com eficiência – mas o baixo aqui é a coisa que se sobressai. Que som, que execução! Esse Flea é mesmo de outro mundo. E até o trompete meio doido que ele toca funciona que é uma beleza. Música nota 10!


UNIVERSALLY SPEAKING

Live in Hyde Park, 2004

De novo, uma batida que não estamos acostumados a ouvir num disco dos RHCP, numa estrutura pop (no melhor sentido) que funciona muitíssimo bem. Chad Smith segura o arranjo e mostra o lado de quem já curtiu muito Ringo Starr. Gosto dessa música pq o baixo de Flea passeia pelos acordes, deixando claro o quanto ele é diferenciado como músico. Grande momento da banda, neste momento, certamente, uma das 5 maiores do mundo.


FUNKY MONKS
Blood Sugar Sex Magik, 1991

Foda, foda, foda de tocar. Esse lance de o ximbau só tocar o contratempo, nesse andamento, exige que o cara tenha a batida sob controle. Se correr, estraga tudo; se atrasar, desanda o caldo. Chad Smith tira de letra e ainda dá uma pressão fudida. Outra parte que é complicada é a levada no solo de guitarra, no prato de condução. Dessa geração, talvez apenas o Fish (baterista do Fishbone) poderia ter gravado essa. Grande som e execução impecável. Esse disco, acho que no mundo todo, fez muitas bandas embarcarem na onda do funk metal.

MAGIC JOHNSON
Mother's Milk, 1989
Essa poderia servir de parâmetro para medir a capacidade física de um baterista. Tocar desse jeito, com esse volume (acredite, ele está descendo a lenha!), numa música cheia de partes e num andamento assim é coisa para poucos. Nesse disco, Chad Smith mostra que a troca de bateristas não trouxe prejuízo para ninguém. Mesmo que Jack Irons pudesse ser considerado um músico com mais vocabulário, CS trouxe peso e energia imprescindíveis para a guinada musical proposta pela mente de John Frusciante.


Era isso.

Abs

Txotxa

terça-feira, 29 de abril de 2008

Coletânea, vol. 4

Mais uma seleção para começar bem a semana...


GLENN KOTCHE
"Walken"
Wilco (Sky Blue Sky, 2007)
Confesso que o Wilco sempre ocupou pouquíssimo espaço na minha cabeça. Nos anos 90 existia um bando de grupos legais que eu só conhecia de nome. Eram bandas sempre elogiadas, consideradas extremamente cool, e o Wilco era uma dessas. E como eu nessa época ouvia coisas mais antigas, deixei essa música de lado, já que não dava conta de acompanhar as mudanças no rock. O fato é que dez anos depois, assisti a um vídeo do baterista Glenn Kotche (que nem é o original do Wilco) e fiquei de cara. Bom, fui atrás da banda, claro, e me amarrei no que ouvi. Essa música é do último disco deles. Gosto muito da forma como a bateria entra no clima do arranjo (que é sensacional) sem chamar muita atenção.


RICK BUCKER
"Going Underground"
The Jam – Going Underground (Single), 1980
Essa introdução me quebrou a cabeça por muito tempo. Não acertava de jeito nenhum a contagem desse troço. Acho essa bateria uma das coisas mais maneiras que o rock já produziu (e a música também). Reparem como ela vai mudando de acordo com o arranjo – na estrofe toca uma coisa, no refrão outra, no bridge outra diferente. RB é um baterista de mão cheia. Todas as baterias do Jam, desde o 1º single, soam sempre muitíssimo bem. Nota 10! Uma das melhores bandas de todos os tempos.


BILLY COBHAM
"Celestial Terrestrial Commuters"
The Mahavishnu Orchestra – Birds of Fire, 1972
O impacto causado por Billy Cobham entre os bateristas nos anos 70 foi algo assustador (pelo menos já li mil baterista geniais falando exatamente isso). Não só pelo seu tipo físico (forte igual a um touro, posso dizer, já que o vi bem de perto em uma clínica realizada na Escola de Música, há uns 12 anos), mas BC sempre foi o mais próximo que um baterista conseguiu chegar de um super-herói. Sua capacidade musical aplicada à bateria, em especial com o Mahavishnu, permanece como um dos pontos de transição da bateria moderna. Nunca ninguém havia tocado desse jeito, com tanta força, com tanta velocidade, com tanta técnica e com tanto virtuosismo. Escolhi essa música pq, além de muito maneira, mostra bem a categoria de BC, que passeia por todas as partes (dificílimas, por sinal) sem perder o rebolado.



BENGT LAGERBERG
"The Boys Are Back In Town"
The Cardigans – The Other Side Of The Moon, 1994
São muito conhecidas as versões do Cardigans para duas músicas do Black Sabbath. Nos dois casos, eles conseguiram uma coisa que é o sonho de qualquer banda que se arrisque a fazer um cover: criar uma coisa nova, original, mas sem perder o norte do som original. O único problema, ao meu ver, é que, no processo, eles tiram todo e qualquer traço de macheza que a música um dia teve (hahaha!). Sério, isso incomoda um pouco. E o que dizer então dessa versão para o clássico do Thin Lizzy? Bom, de novo, deram uma esterilizada no som do grupo irlandês, mas, por outro lado, deram uma solução bacana para o balanço e para a métrica da melodia. Independente disso tudo, o Cardigans é uma banda fodassa, e o baterista, excelente – excelente, mesmo. Toca simples, mas tem um arsenal de sutilezas que de vez em quando entram em cena e levam a música para outro lugar.



GREGG BISSONETTE
"Two Fools A Minute"
David Lee Roth – Skyscraper, 1988
Bom, se o assunto antes era um som de mulherzinha (rs), agora a coisa muda de figura. Esse foi um dos discos que mais ouvi na vida. Quer dizer, pelo menos durante o último ano do meu 2º grau. Mesmo com tudo de ruim que a figura de David Lee Roth possa sugerir para alguns, uma coisa é certa: ele canta muito e sua ignorância é genuína! E a banda desse disco é sensacional (na verdade, é a mesma do disco anterior). É curioso o quanto o rock de hoje não comporta esse tipo de excesso instrumental. Imagine uma banda em que cada um dos músicos tem um espaço garantido para solo, independente da composição? O único lugar que isso ainda persiste é no nicho nu-instrumental-fusion-progressivo de troços como Dream Theater e tal. Mas esse tipo de som deixou de ter ligação com o rock’n’roll há muito tempo.
Por um lado, é uma pena que as bandas de hoje, muitas delas, simplesmente tenham deixado de lado essa coisa saudável de querer ser um bom instrumentista (com limites, é claro). Às vezes, conta mais pontos ter um visual bacana na bateria do que saber bater um pé depois do outro. O fato é que Gregg Bissonnette (junto com Billie Sheehan e Steve Vai) tinham musicalidade de sobra – e um dos piores cortes de cabelo que a MTV já exibiu. Mas a potência sonora de GB é avassaladora. Até hoje, 20 anos depois, ele é firme igual a uma rocha, além de ser um dos bateristas mais requisitados em estúdio. Para se ter idéia de sua competência, o próprio Stewart Copeland contrata os serviços de GB para gravar as suas trilhas sonoras.



FRANK BEARD
"La Grange"
ZZ Top – Tres Hombres, 1973
Dando seqüência à sessão macheza, aqui vai um grupo que melhor representa o termo “música de homem” (termo de sob licença do amigo Elcio Jr.). Essa música é bem conhecida e traz o estilo boogie de John Lee Hooker na veia. O baterista FB é um cara bem discreto, mas nessa gravação mostra o quanto sabe de shuffle (essa batida é quase impossível de ser tocada com essa fluência). Aliás, uma de suas viradas (a que antecede o solo de guitarra) foi eleita uma das 10 melhores dos anos 70 pelos editores da revista Modern Drummer. Essa é para bater o pé e quebrar a garrafa de cerveja na cara do vizinho de mesa.



LEVON HELM
"Mystery Train"
The Band (with Paul Butterfield) – The Last Waltz, 1978
Isso aqui é o gabarito de como a música do sul dos EUA deve ser tocada. Apesar de 3/4 do The Band serem canadenses, eles entendiam bastante do riscado (muito graças ao grande Levon Helm, que era americano). A gravação desse show, feita por Martin Scorcese, é uma das coisas mais maneiras que já vi. Recomendo para quem estiver de bobeira no site da Americanas (custa míseros R$ 19,00). Aqui, o grupo estava fechando as portas do negócio (pelo menos na formação original), mas ainda segurava o rojão como ninguém. E Levon Helm, que aliás é um dos cantores dessa música (e de muitas outras), passeia, acertando a dinâmica e a cadência para os colegas. Nem mesmo a versão do rei Elvis Presley possui essa crueza e esse balanço.



JEFF PORCARO
"Gaucho"
Steely Dan – Gaucho, 1980
Esse é um dos caras mais reverenciados na comunidade baterística. Além de membro do Toto (aquele super grupo meio brega), JP gravou com uma centena de estrelas nos anos 70 e 80. Escolhi essa gravação pq acho que mostra bem algumas de suas principais características: um pocket profundo (aquela coisa de segurar a batida, de tocar mais para trás do compasso); um som de ximbau fabuloso; e uma jeito muito macio de resolver todas as passagens que a o arranjo exige. Esse disco do Steely Dan é meio palha, mas essa música meio que se salva. Já a performance de JP está no nível das melhores coisas que ele já gravou.



NDUGU CHANCLER
"Billie Jean"
Michael Jackson – Thriller, 1982
Sei que todos já ouviram essa música pelos menos umas 200 vezes, mas vou propor aqui uma outra perspectiva aos ouvidos. Concentrem-se apenas na bateria. O tempo todo, fiquem ligados na forma como a bateria de NC mantém-se cadenciada, como se fosse uma máquina (no melhor sentido da comparação). Tocar isso, desse jeito, com essa galera pela frente (Michael Jackson e Quincy Jones) é um dos maiores desafios que um músico pode encontrar pela frente. E Ndugu se saiu tão bem que essa gravação é considerada sinônimo de perfeição. Sério, qualquer elogio é pequeno perto do que fez o homem nessa sessão. Não é à toa que Thriller é um dos maiores discos de todos os tempos.
E para quem se lembra daquela história (http://txotxa.blogspot.com/2007/05/bernard-purdie.html) sobre aquele meu primo que me garantia que a bateria eletrônica iria tomar o lugar dos bateristas, incluo essa música também na jogada.


MICKY WALLER
"Maggie May"
Rod Stewart – Every Picture Tells A Story, 1971
E como estamos nessa onda de caras que tocam para a música, aqui vai um ótimo exemplo: Micky Waller. Confesso que nunca ouvi falar dele. Nunca, mesmo. Mas fui atrás das coisas que ele gravou e vi que várias estão na estante lá de casa. Escolhi essa música do bom Rod Stewart, antes de ele virar o que virou, pq tem uma batida bem simples, quase Charlie Watts (só que com mais vitamina). Reparem como MW toca o ximbau poucas vezes, e como isso não atrapalha em nada o clima da música. De novo, aquela idéia de que o violão facilita muito a vida do baterista. Um clima desses, aliás, Rod Stewart nunca mais conseguiu em nenhuma de seus discos.



DAVID LOVERING
"Bone Machine"
Pixies – Surfer Rosa, 1988

Pixies é uma banda que eu só fui entender há pouco tempo. Apesar de muitos dos meus amigos adorarem, eu nunca tive muita simpatia pelas músicas. Mas ouvindo com o coração aberto, sem as dúvidas de anos atrás (hehe), percebi o quanto as composições são fodas. O guitarrista J. Santiago eu já sabia que era excelente, pq o Carlos (do Prot(o)) sempre o elogiou. Mas o baterista David Lovering nunca havia me chamado muito a atenção – pelo menos até eu ouvir essa música. Fiquei muito de cara com a construção dessa bateria, que parte de um princípio bem simples: tocar o backbeat no tempos 1 e 3, ao invés dos tradicionais 2 e 4. Aliás, várias músicas dos Pixies têm essa onda de tempo deslocado, que nos joga meio para fora da batida. Muito bom esse disco (e todos os outros aliás). Um fato curioso que descobri ao procurar uma foto de DL é que ele é um mágico de respeito. Mágico!!! Vai entender...



TERRY CHAMBERS
"English Roundabout"
XTC – English Settlement, 1982

Já falei isso algumas vezes nesse blog, mas o cara que consegue compor e tocar uma música nesses compassos de 5 e 7 tempos e ainda deixá-la macia aos ouvidos é alguém para quem eu tiro o chapéu – no melhor estilo Raul Gil (hahaha!). E essa música é exatamente o caso. Essa banda, aliás, é de uma categoria e de uma competência impressionantes. Mr. Seabra (Philippe) foi quem me apresentou esse som, e, desde então, o XTC tornou-se uma referência absoluta para arranjo e gravação para mim. Esse disco é a prova disso. Não há nenhuma nota fora do lugar, nenhuma redundância, nenhum timbre mais ou menos. Num certo sentido, é perfeito. Assim como essa gravação, que, mesmo tocada no tal compasso de 5 tempos (conte aí nos dedos e sinta o clima) tem um balanço fenomenal. E ainda com uma pegada forte de reggae! Impressionante, mesmo. Lendo sobre o XTC, descobri que Terry Chambers gravou os cinco primeiros discos da banda, além de ser um dos membros fundadores. E ainda achei isso aqui na Wikipedia: Terry is widely regarded in drumming circles as one of the most innovative and also most underrated drummers of his time. He is now a business owner in the construction industry, and is no longer involved in the music industry himself. Legal e deprê, né?



GARY MALLABER
"Everyone"
Van Morrison – Moondance, 1970
Devo muito a uma dupla de irmãos que me ajudou diminuir a orelha de burro musical. Quando tocava com os irmãos Beto e Ju, no Beto Só e os Solitários Incríveis, fizemos um show acústico que tinha no repertório uma música do Van Morison (“Crazy Love”, se não me engano). Na época, só conhecia um disco dele com uns standards de jazz. Achava legal, mas não chegava nem perto, descobriria logo em seguida, das coisas que ele gravou no começo dos anos 70. Esse disco, aliás, é uma obra prima. E ouvindo os outros que vieram na seqüência (“His Band And The Street Choir”, “Tupelo Honey” e “Saint Dominic's Preview”), percebi que, além de fodassos, todos tinham, na sua maioria, uma batida bem funky e cheia de swing. E quando fui checar o baterista, descobri que Gary Mallaber havia gravado 90% delas. Daí, foi como se eu tivesse descoberto o mapa da mina GM: ele gravou com Bruce Springsteen, Steve Miller Band (era membro do grupo), Jackson Browne, Beach Boys, Bonnie Raitt, entre outros. E, para melhorar a coisa, foi dele a bateria de uma das músicas que mais gosto de Peter Frampton (“I Can’t Stand it No More”). Com um currículo desses, não é de se admirar a forma com que ele toca essa música de VM. Cheia de rufos, paradas e de passagens suaves, mas que ele segura no braço, com muita firmeza. De novo, uma música num compasso ímpar (3 ou 6 tempos, dependendo do freguês) que soa bem macia. Ela, aliás, tem um lance maneiro que é o 3/4 (6/8) tocado contra o 2/4 (ou 4/4), o que cria um balanço ótimo. Aliás, Oswaldo Montenegro, que de ótimo não tem nada, criou várias de suas músicas nesse clima.

Podcast: http://lomez.mypodcast.com/


Era isso.
abs
Txotxa

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Carlton Barrett (1950 – 1987)




Montar um podcast sobre Carlton Barrett é ao mesmo tempo um clichê desgraçado e uma novidade exclusiva.

O clichê é mais fácil de se perceber, já que a onda do reggae e o estilo de vida jamaicano (parte dele) estão impregnados em nossa cultura. Desde um mendigo da Cracolândia, em São Paulo, até o Luciano Huck (outro tipo de mendigo paulista), todos sabem cantar pelo menos uma música de Bob Marley (e sabem bem quem foi o homem). Por isso, escolher algumas dessas músicas pode dar a impressão de que estou chovendo no molhado, de que fiz uma seleção meio safada. Daí a idéia do clichê.

E a exclusividade vem do fato de que o reconhecimento da arte de Carlton Barrett ser inversamente proporcional ao sucesso das músicas de Bob Marley. Pouco, ou quase nada, se fala do baterista. Sly Robbie, por exemplo, tem muito mais nome e moral do que CB. Tudo bem que o outro é produtor e transita em várias áreas, mas é inadmissível que CB (junto com seu irmão, Aston) seja reverenciado apenas pelos entendidos do assunto.

Por tudo isso, vou tentar aqui homenageá-lo da forma adequada.

Mas antes uma historinha...
No auge da minha indolência juvenil, em 1990, recebi o convite do amigo Beto Bugarim para tocar num projeto de reggae chamado Cravo Rastafari (que, anos depois, viria a se tornar o Maskavo Roots – hoje apenas Maskavo). No repertório de 4 músicas tinha uma dos Slickers (Johnny Too Bad) e 3 de “Bobito” (Jammin’, Stir It Up e, claro, Woman No Cry). Fui lá, tirei as músicas e até que tocamos bem na estréia. Tão bem que, mesmo com apenas essas 4 músicas, tocamos em tudo que é lugar de BsB. Claro que a época ajudou, já que a tal cultura jamaicana ganhava cada vez mais espaço junto aos formadores de opinião de nossa cidade: os playboys.

Bom, o fato é que passei uns bons anos tocando esse som (além daquelas 4 músicas), mas sem nunca entender, de verdade, a grandeza e a peculiaridade dessas baterias. Lembro até de um professor que tive (o único e que durou umas 3 aulas) me explicando a batida do reggae. Ele tocou a levada de “Reggae Night”, do Jimmy Cliff, e passou para próxima lição. Vai entender...

Hoje, eu me considero um cara que tem alguma noção de como se fala essa língua do reggae. Na verdade, achei uma definição no site do curso de alemão Goethe que define bem a minha relação com os vocábulos jamaicanos: “É capaz de compreender e usar expressões familiares e quotidianas, assim como enunciados muito simples, que visam satisfazer necessidades concretas. Pode apresentar-se e apresentar outros e é capaz de fazer perguntas e dar respostas sobre aspectos pessoais como, por exemplo, o local onde vive, as pessoas que conhece e as coisas que possui. Pode comunicar de modo simples, se o interlocutor falar lenta e distintamente e se mostrar cooperativo.” Perfeito.

Bom, mas que diabos essa música tem de tão difícil assim? “Será que fumar 1kg de maconha diariamente e desligar a água do chuveiro por 3 anos não é suficiente para entender o gingado de Trenchtown?”, alguns podem se perguntar. Eu diria que não é o suficiente, apesar de que isso pode até ajudar em termos de andamento :-).

A dificuldade, ao meu ver, é a pulsação. É isso que derruba a maioria dos bateristas que se aventuram por essas terras. Nós estamos acostumados a ouvir o rock, aquele compasso que é uma linha reta, sem sobressaltos, onde o caminho mais indicado é sempre seguir adiante.
Desde Buddy Holly, passando pelos Beatles, até o Nirvana, a pulsação (nem sei se estou usando o termo corretamente) é bem parecida. Independente da velocidade, o 1 no rock (e suas adjacências) tem o mesmo tamanho, a mesma força e o mesmo endereço.

Já no reggae, a batida ganha destaque nos respiros desses tempos (contratempos), e o tempo forte passa ser o 2, que, no estilo one drop, é tocado pelo bumbo. E isso vai contra a noção de backbeat – aquilo que as pessoas instintivamente acompanham com as palmas e que serviu de base para tudo que veio a partir do jazz de New Orleans.

Assim, o desenho na cabeça do baterista muda completamente. Por exemplo, uma pratada no início do compasso já não é tão bem-vinda no reggae quando seria em 99% das músicas pop de hoje. Por isso, eu acho que são poucos os bateristas não-jamaicanos (ou descendentes dessa cultura) que consigam manter essa pulsação com a propriedade que o estilo merece.

Bom, tudo isso para chegar até Carlton Barrett, um dos maiores bateristas de todos os tempos.
A partir da seleção musical abaixo, vou tentar explicar o porquê dessa minha admiração incondicional por esse fabuloso músico.

Ah, lembrando que a lista reúne apenas as gravações de CB com os Wailers. Coisas que ele gravou com Peter Tosh, Ziggy Marley & The Melody Makers, Alpha Blondy ou com os Upsetters ficaram de fora. Achei melhor listar apenas as coisas de BMW, já que são mais fáceis de se achar e mostram muito bem as qualidades de CB.

Vamos ao podcast:
http://lomez.mypodcast.com/


LIVELY UP YOURSELF
Live!, 1975
Essa é uma das melhores baterias que já foram gravadas. A energia de CB é a força-motriz dessa música, e, mesmo mudando a célula da batida a cada dois compassos, ele não atrapalha o arranjo. Muito pelo contrário – a sua fluência faz com que cada parte soe diferente da outra (mesmo não sendo no papel). Alguns dos fills (ou viradas, se preferirem) que ele faz estão na lista dos mais difíceis que já escutei (e que vivo tentando, sem sucesso, imitar). Dá gosto de ouvir uma coisa e saber que ninguém nunca vai chegar perto dessa qualidade.

DUPPY CONQUEROR
Burnin', 1973
Gosto dessa versão por conta da liberdade com que a bateria e a percussão (com as vassourinhas) são tocadas. Numa versão anterior a essa, mais roots, a bateria toca de forma mais tradicional. Essa versão (aliás, esse disco) tem um clima meio funky. Talvez por isso o baixo seja tão preponderante.


TALKIN' BLUES
Natty Dread, 1974
Essa é uma aula de cadência. Gosto muito do início, num clima meio R&B. Parece que essa foi escrita por CB junto com Bob Marley. Coisa finíssima. A forma com que CB abre o ximbau foi assumidamente copiada por Stewart Copeland ao longo de sua carreira. E tocar assim é tão difícil, pq vc deixa o ximbau soar, sem tocá-lo, no meio do compasso, o que te obriga a ter uma concentração (ou talento) dos infernos para atrapalhar o andamento. E Carlton Barrett faz isso com a precisão de um relógio.


RUNNING AWAY
Kaya, 1978
E por falar em controle do tempo, essa música é um perfeito exemplo disso. Um andamento lento, difícil, bem dividido, que seria o pesadelo de qualquer baterista. E aqui, já não falo mais do reggae, e sim de músicas lentas no geral. Vc pode medir a qualidade de um baterista pela forma com ele toca as baladas. São poucos os que tiram de letra esse desafio. E CB não só toca perfeitamente dentro dos limites do BPM, como também faz viradas ao longo das passagens. De novo, uma coisa que só se arrisca a fazer quem tem o dicionário do estilo todo memorizado ou é doido. CB é certamente o primeiro caso.


NIGHT SHIFT
Rastaman Vibration, 1976
Isso é pressão e o resto é brincadeira. Note que o andamento em relação à música anterior não é tão diferente, mas esta aqui é empurrada para frente (melodia e linha de baixo). E isso faz com que a bateria segure a batida na marra. Para ter a idéia, é como se vc sacudisse uma garrafa de 2l de Coca-Cola e deixasse em cima da mesa de cabeça para baixo. É esse nível de pressão a que me refiro. Tanto que CB não usa o prato uma vez sequer – se der uma folguinha a música desanda.

Gosto muito das discussões sobre o verdadeiro “dono” do tempo numa música. Instintivamente, imaginamos que é o baterista o cara com a melhor noção de tempo de um grupo, já que ele é quem tem essa obrigação dogmática. Mas nem sempre isso é verdade. Caras como Ray Charles e Stevie Wonder eram donos de uma noção assustadora de ritmo – certamente, maior do que a de seus bateristas. E nesses casos, os bateristas suavam a camisa para não tomarem uma dura no meio de uma música. Mas mesmo esses fenômenos teriam dificuldade em superar o controle de CB nas linhas de um compasso.


COMING IN FROM THE COLD
Uprising, 1980
Toda vez que toco essa introdução sempre dou uma roubada. Acabo entrando na hora certa, mas nunca soube fazer essa contagem direito. Gosto muito dessa música péla sutileza com que CB toca os pratos nos ataques “No, Dread, no!”. A tendência é meter a mão nessa hora, mas ele toca macio, na altura certa, sem esforço. Outra coisa bem legal é a variação do bumbo ao longo da música.
* Ooops, comi mosca ao incluir esta no hall de músicas do Carlton Barrett. Segue abaixo a correção do colega Leonardo:

Realmente você conhece m pouco dereggae sim. Porém, a música coming in from the cold não foi gravada por Carlton Barrett, e sim por Carlton "Santa" Davis o batera da Soul Syndicate Band. O disco de Bob, Uprising, de 1980 foi gravado com Carly na batera, apenas a faixa um do disco é com Santa.
ESCUTE o disco e verá a pegada que não é de
Carlton.


Taí o gabarito...

RASTA MAN LIVE UP
Confrotation, 1983
E o bumbo também o lance legal dessa. CB começa na batida one drop e já muda para o bumbo nos 4 tempos. Essa música mostra bem a onda do reggae, que descende diretamente do R&B. Não dá, por exemplo, para tocar essa música direto, retona, tipo o Police fez a vida inteira (“Can’t Stand Loosing You”). Ela tem uma onda shuffle, meio redonda, que tem um balanço particular. E isso, aliás, é a dificuldade de se tocar reggae: a batida puxa para o shuffle, enquanto a guitarra corta durona o contratempo. Se não ficar de orelha em pé, o trem descarrilha e a música vai para o saco. Não é o caso dessa gravação, claro....


CONCRETE JUNGLE
Catch a Fire, 1973
Clássico. Esse tipo de batida é bem legal, pq parece que anda sozinha. Pelo andamento, a impressão é que a bateria pode parar de tocar que ninguém vai perceber. E isso dá para perceber nas viradas de CB ao longo da música – ele pára, entra e sai da música sem atrapalhar ninguém. Gosto mais de uma versão dessa música que saiu há uns anos, com a gravação original feita na Jamaica, sem os overdubs do fodasso Chris Blackwell. De qualquer forma, é uma música impressionante.


ONE DROP
Survival, 1979
Talvez uma das músicas mais felizes já compostas por alguém. A letra, até onde entendo, não é tão alegre, mas os instrumentos, a harmonia e as melodias são de outro mundo. Gosto muito do som de bateria desse disco – bem na cara do freguês. E esse som de ximbau é um brilho só. Nota 10!


BAD CARD
Uprising, 1980
Aqui dá para ver bem a idéia do half-time aplicada ao reggae: a guitarra toca o tempo dobrado do ska, e a bateria se mantém na metade do andamento. Isso dá um efeito bem maneiro, empurrando a música para frente para trás. Belíssima composição, mas eu sempre tive a idéia de que a voz de Bob Marley parece numa rotação diferente, meio desafinada.


STIR IT UP
Catch a Fire, 1973
Essa foi a 1ª música que ouvi de Bob Marley & The Wailers. Adoro tudo nela: o timbre, a letra, a melodia, o arranjo. O baixo talvez seja um dos mais marcantes que Aston Barrett já compôs. Essa fórmula de tocar e compor seria levada ao nível de perfeição ao longo dessa década, mas em 73, o ano em que nasci, BMW tocam fácil e cheios de si. Clássico dos clássicos.
* parece que comi mosca de novo. vejam a contribuição de Ras para a postagem:
Olá, grande iniciativa de fazer esse tributo a Carlie Barrett!!! Sou pesquisador da "pegada" deste incrível baterista e gostaria de deixar minha contribuição.Queria fazer uma correção e levantar alguns pontos:1- como o colega disse, Coming in from the cold foi gravada por Carlton Santa Davis, assim como Chant Down Babylon, Ride Natty Ride, Top Ranking, Africa Unite, entre outras. Assim como SO MUCH TROUBLE foi gravada por MICHAEL BOO RICHARDS, baterista que tocou com Jacob Miller, Jimmy Cliff, Wailers (após a morte de carlton) etc. 2- STIR IT UP não foi gravada por Carlie Barrett (VER O VIDEO "CATCH A FIRE" QUE MOSTRA COMO FOI FEITA A GRAVAÇÃO E MIXAGEM DO DISCO DE MESMO NOME).Bless!!!
(vou ter que assistir de novo o Classic Albums do "Catch a Fire")

Era isso.
abs
Txotxa

quinta-feira, 20 de março de 2008

Matt Cameron

Antes de mais nada, mil desculpas pela falta de regularidade nas postagens. É que eu estava meio enrolado com algumas mudanças aqui no trampo. E como eu escrevo 99% do texto no trabalho (aliás, como estou fazendo agora), tive que dar uma maneirada na rotina (que já não era das melhores) de atualizações. Daí a demora...
Bom, já que mencionei o trabalho, seria legal esclarecer algumas coisas a respeito dos podcasts. Sou o maior entusiasta dessa nova modalidade de comunicação. Como me ensinou o amigo Fernando Zarur (que entende tudo do riscado), a cultura do podcast vem crescendo exponencialmente em todo o mundo.
Por isso, resolvi fazer (ou pelo menos tentar) a coisa do jeito certo na última postagem – inseri os meus comentários no meio das músicas, tornando o troço mais parecido com o rádio. O problema é que isso se mostrou bastante complicado. Por exemplo, tive que fazer toda a parte sonora lá em casa (edição das músicas, gravação da voz, “mixagem”), o que acabou desvirtuando a idéia por trás desse blog/podcast, que é utilizar melhor o tempo no trabalho, ao invés de simplesmente trabalhar!
Dito isso, informo que, por enquanto, vou continuar no esquema Tabajara, com música e texto separados. My bad....

Entonces, vamos ao homenageado de hoje: MATT CAMERON.

Esse é um dos caras mais fodas que eu já ouvi na vida. Sério, se pudesse tocar um décimo do que ele toca, estaria nas nuvens. MC tem uma pegada de rock única. Consegue tocar rápido, forte e, principalmente, com balanço. Não me lembro de nenhum outro cara que toque como ele. É uma coisa engraçada até, pq ele é um baterista que vc não identifica imediatamente numa gravação. Vc fica ouvindo e pensando: “porra, esse cara aí toca”. Daí, quando vc vai aos créditos, as peças do quebra-cabeça se encaixam. “Só podia ser ele”, é o que eu sempre penso.

Para escrever esse post, fui atrás dos discos que ele gravou (e grava) com o Pearl Jam. Ele entrou na banda logo depois do Jack Irons (que é bem foda) e não deixou a peteca cair. Muito pelo contrário, aliás. Ele fez a banda tocar melhor. Muito melhor. Como nunca tocou. E, de quebra, deixou a banda ainda mais bonita (urgh!!).

E em alguns desses discos, eu ficava de orelha em pé, tentando descobrir quem era o baterista – o Jack Irons tem um toque meio parecido com o dele. Mas, de vez em quando, vinha uma passagem escrota, tocada com um controle absurdo, que só podia ter sido gravada por MC.

Todas as suas baterias, desde os tempos de Soundgarden, passando pelo seu projeto paralelo, têm a mesma característica: ocupam o lugar certo no arranjo – nem mais, nem menos – e conduzem o tempo com muita propriedade e segurança. Sem pressa, sem querer aparecer, sem fazer caretas, mas 100% dentro do grupo. É como se ele pudesse tocar qualquer coisa (e eu sinceramente acredito que ele pode), mas prefere sempre fazer parte do time.

MC é capaz de arredondar compassos de tempos difíceis, deixando-os macios ao ouvido. Pq a tendência de um baterista de rock (vamos dizer assim) é endurecer a batida de uma música nesses compassos ímpares, como 3/4, 5/4, 7/8, 9/8 etc. O
Neil Peart, por exemplo, é um desses que soa sempre quadrado nesses tempos – tudo bem, já que essa é a onda dele. Quando ouvimos uma música do Rush, percebemos sempre que é um negócio difícil, que não dá para bater palma junto.

Mas no caso de Matt Cameron, ele faz o mais difícil (na minha opinião), que é tornar fácil aos ouvidos um tempo difícil. Acho que pelos espaços que ele cria na batida, a gente fica sempre com a impressão de que aquilo é mais tranqüilo do que realmente é.

No final das contas, MC, para mim, é o único cara dessa geração que coloca os gigantes Dave Grohl e Mike Bordin no bolso. Precisa dizer mais?

Vamos à seleção de hoje:


NEVER NAMED
Soundgarden – Down on the Upside, 1996

Como é que o cara toca desse jeito? A música é cheia de paradas e arrancadas e MC consegue dar uma unidade na batida, sem perder o andamento, além de irradiar uma energia impossível de se reproduzir fora dos laboratórios. Essa música apresenta uma das principais características de Matt Cameron: tocar muito bem todas as partes da música, sem muitas firulas, com muito vigor, mantendo a bateria no lugar certo. E, quando é preciso, ele abre a caixa de ferramentas e manda umas viradas de cair o queixo.

SLEEVELESS
Wellwater Conspiracy – Wellwater Conspiracy, 1997

Essa é do projeto paralelo que MC mantém desde os tempos de Soundgarden. Até onde sei, além da bateria, ele toca guitarra e canta (tudo isso muito bem, por sinal). Gosto muito dessa batida e, principalmente, do som.

SPOONMAN
Soundgarden – Superunknown, 1994
Sem vergonha de assumir, essa foi a 1º música que ouvi do Soundgarden. Fiquei imediatamente impressionado com a bateria. Até aquele momento, nunca tinha ouvido ninguém tocar assim. A forma com que MC constrói o ritmo (todo quebrado) nos tambores é demais. A parte em que acontece o "solo de colher", do meio para o final da música, é um dos melhores momentos de baixo e bateria que já ouvi na vida.

GREEN DISEASE
Pearl Jam – Riot Act, 2002

Como disse anteriormente, acho que MC fez os amigos do Pearl Jam tocarem mais e melhor [na dúvida, compre os DVDs ao vivo do grupo com Matt Cameron]. Essa música (e esse disco) mostram o quanto a banda ganhou em octanagem com a entrada de MC. Nunca fui muito fã dos Pearl Jams. Sempre achei o som, no geral, meio chato, meio monocórdico. Mesmo nos anos em que eles brigavam por preços mais justos de seus ingressos, nunca consegui transferir a simpatia pessoal que tinha para o campo do apreço musical. Mas bastou MC entrar na banda para a minha opinião começar a mudar. Ainda não sou fã, mas tenho uma disposição maior para o som da banda. A levada no bell do prato de condução dessa música é impecável.

THE DAY I TRIED TO LIVE
Soundgarden – Superunknown, 1994

Clássico dos anos clássicos de MTV brasileira, né? Quantas vezes ouvi essa música... O Quim, meu amigo desde os tempos de Maskavo Roots, adorava essa música e vivia tocando no violão. Essa batida é muito foda, num compasso de 7 tempos (que vai e volta), e MC faz o troço soar muito macio. Música, arranjo, letra e gravação fodassas. Estava lendo esses dias uma entrevista com um técnico de som norte-americano famosíssimo, em que ele incluía “Black Hole Sun” (desse mesmo disco) na lista das 10 melhores baterias gravadas em todos os tempos. É uma música impressionante mesmo, mas prefiro esta aqui....

WOODEN JESUS
Temple Of The Dog – Temple Of The Dog, 1990

Introdução bem bacana. MC toca bem desenvolto nesse compasso de 3 tempos. Normalmente, a maioria dos bateristas tende a deixar uma batida desse tipo meio quadrada, com várias quinas e tropeços. Mas MC deixo o tempo respirar, dá o espaço certo entre as notas, com a entonação correta para cada nota. Gosto também da idéia por trás da marcação de madeira (ou de ferro) que rola no início da música.

GUN
Soundgarden – Louder Than Love, 1989
Essa tem todo o clima do metal. O andamento vai aumentando na maciota, sem sobressalto, com todos tocando juntos. É engraçado que MC consegue tocar umas coisas bem na linha do trash metal (pelo menos no que diz respeito à velocidade), mas mantém o pé sempre na tradição mais clássica do rock’n’roll. Se não fosse o volume, ele certamente poderia ter gravado os discos de Chuck Berry e Little Richard.

GO
Pearl Jam – Live on Two Legs, 1998

Lembro como se fosse ontem o dia em que o disco “V” do Pearl Jam foi lançado. Eles tinha o Dave Abbruzzese na bateria, que na época, era muito confundido com o outro Dave, que gravou o 1º disco da banda (e era muito melhor, por sinal). E ele, o Abbruzzese, era um cara que sabia impressionar pelo visual, pelas caretas e tal, mas sua bateria nunca me pareceu nada de mais (e até hoje não parece). O fato é que essa música tinha uma energia que desafiava qualquer banda que se arriscasse a tocá-la. E aqui, nesse disco ao vivo, logo depois de ter assumido as baquetas do grupo, MC aceita o desafio e deita e rola, triplicando todo o punch do arranjo.

MY WAVE
Soundgarden – Superunknown, 1994
Mais uma desse disco (que é impecável, por sinal). Escolhi essa música porque mostra como o rock pode ter balanço em compassos de 5 tempos, normalmente associados à música erudita. E que balanço!

GRIEVANCE
Pearl Jam – Binaural, 2000
De novo, uma introdução muito maneira. É super simples, mas MC toca o tom-tom numa hora em que ninguém tocaria, o que ajuda a dar idéia de um tempo deslocado e difícil. Na real, essa intro em 6 tempos é bem clássica, mas a idéia que ele passa é outra. E isso só faz quem sabe muito bem onde estão as subdivisões do compasso. A performance da bateria nessa música é impecável.

SUPERUNKNOWN
Soundgarden – Superunknown, 1994

Uma das músicas mais poderosas que já ouvi. Não alivia nem um segundo. As guitarras criam uma massa sonora que derruba qualquer parede de concreto. O curioso é que MC toca algumas partes da música com o ximbau fechado, o que, a princípio, não funcionaria numa música dessas. Mas ele consegue dar peso sem necessariamente ter que aumentar o volume de seu som. Dá gosto ouvir uma gravação dessas, cheia de peso e de balanço, com a voz a todo vapor, sem fazer concessões. É uma pena que essa banda tenha acabado... O Chris Cornell é um músico muuuuito foda, mas, sinceramente, nunca me empolgou no Audioslave.

podcast em http://lomez.mypodcast.com/


Era isso
abs
Txotxa

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Coletânea, Vol. 3

Mais uma relação sortida para iniciar bem o ano...

PATRICK WILSON
“DOPE NOSE"
Weezer – Maladroit, 2002


A primeira que vez que vi um clipe do Weezer, lá nos 90, fiquei muito incomodado com a figura de PW. Dava para ver que ele tinha técnica de sobra, mas insistia em fazer gracinhas com a baqueta, fingindo que não sabia tocar direito, ao mesmo tempo em que deixava claro que tudo era facílimo para ele. Me irritei com a aquela atitude e tomei certa antipatia pelo fineza. Mas, à medida que os anos foram passando (e eu parei de ver clipes na TV), fui percebendo que a maioria dos meus amigos tinha o Weezer em alta conta. Por isso fui atrás dos discos do grupo (com o coração aberto :)) e fiquei de cara com as músicas (além de perder a bronca com PW). Escolhi essa gravação pq ela mostra bem as qualidades de PW: firmeza na batida, técnica de sobra, bom gosto e dinâmica bem sacada. Numa música com tantas partes de bateria, PW não soa busy e nem atrapalha a melodia do vocal. Ele possui muitas balas na agulha, mas, ao contrário da maioria, não precisa mostrar o tempo inteiro que sabe tocar coisas difíceis.

PAUL FERGUSON
“FOLLOW THE LEADERS”
Killing Joke – What's THIS for...!, 1981


Uma coisa que sempre me preocupa (e motiva) quando entro numa nova banda é tentar entender as influências do grupo. Saber, por exemplo, que o guitarrista da banda é vidrado em Black Sabbath é uma coisa que ajuda muito na hora de sugerir uma batida. Mas quando vc se depara com um grupo que tem um milhão de influências (a maioria totalmente desconhecida para vc), a coisa fica complicada. E, nesse caso, não existe outro caminho senão abaixar as orelhas e correr atrás do prejuízo.
Foi exatamente o que fiz ao entrar na Plebe Rude. Por sorte, o André X me emprestou alguns discos que me ajudaram a dar os primeiros passos. Um deles foi o 1º do Killing Joke. Fiquei de cara com o som – puta banda, ótimos músicas e muuuito estilo. Para não perder o bonde, fui atrás dos outros discos deles e cheguei a essa música. Desde a 1ª vez que a ouvi fiquei impressionado com a batida. Trata-se de uma programação bem simples, com os tambores de PF tocados por cima. Mas que balanço!! Uma coisa que normalmente soaria over (com tantas batidas sobrepostas), funciona perfeitamente bem. Ah, e que guitarra!!!!


BENNY BENJAMIN (1925 – 1969)
“GOING TO A GO-GO”
Smokey Robinson & The Miracles – Going To A Go-Go, 1965


Benny Benjamim é sinônimo de balanço. 90% dos maiores hits da Motown tinham suas baquetas a serviço. Juntamente com o colega musical (e de excessos), o fenomenal baixista James Jamerson, BB criou uma batida única, que influenciou diretamente a forma de dançar (e não só de tocar) de uma geração. Muitos dos passos que agitavam as pistas de dança e os programas de TV nos anos 60 baseavam-se na pegada firme e cadenciada de BB. Num certo sentido, esse é o maior elogio que um baterista pode ouvir: de tão maneira que é a sua batida, tivemos que criar uma nova dança :)
Nessa gravação, gosto muito da introdução, tocada nos tambores. Repare como ele cria uma melodia bacana, que introduz a linha do baixo.



GERRY CONWAY
“CHANGES IV”
Cat Stevens – Teaser And The Firecat, 1971

Tocar com violão é sempre uma coisa boa para o baterista. Pelo menos é o que eu penso. Diferente da guitarra, o clima acústico do violão (quando bem tocado, é claro) ajuda a amarrar a batida e deixa o baterista mais livre para “passear” pelos compassos. Essa gravação é um ótimo exemplo de como uma música com o tempo meio complicado e cheia de partes pode soar agradável e fácil aos ouvidos, graças a um violão bem tocado. A liberdade do baterista é tamanha que ele nem se preocupa em tocar o ximbau o tempo inteiro – deixa a batida fluir. E isso é sempre uma dificuldade, pq vc tem que justificar a presença da bateria no arranjo e ainda conseguir manter a “distância” adequada da batida do violão. Poucos conseguem, mas GC, tanto nessa gravação quanto nos shows com o grande Cat Stevens, tirou de letra.


DAVE RUFFY
“BABYLON'S BURNING”
The Ruts – The Peel Sessions, 1979

Mais uma banda que conheci graças ao Philippe e o André. Esse baterista me pegou de jeito. Fiquei de cara com a forma fácil que ele se coloca na música, mesmo tocando uma batida cheia de notas e usando todas as peças da bateria. Nessa gravação (ao vivo, por sinal), ele vai acentuando os tambores no meio das batidas do ximbau, sem perder a dinâmica. E ele faz de um jeito muito criativo (variando entre a caixa e o tomtom), com uma cadência infernal. A Plebe toca uma versão dos Ruts (a música é “Staring At The Rude Boys”) que é fodassa. Mas, invariavelmente, eu chego ao final pedindo arrego, tamanha é a intensidade (e não a força) da batida de DR. E se um dia quiserem tocar “Babylon’s Burning”, tô no sal :)


MICHAEL TAPPER
“NOBODY MOVE, NOBODY GET HURT”
We Are Scientists – With Love And Squalor, 2006

Ouvi essa banda no programa do Jools Holland, que é reprisado aqui pela HBO. Achei bem sacada a forma com que o baterista desloca o tempo forte do compasso (ouça o refrão). De primeira, achei a idéia meio boba, parecida com o que fazem os bateristas que estão começando a entender a estrutura do compasso. Mas fui ouvir melhor e percebi que MT sabe tocar (e muito bem) a sua bateria. No disco, existem mais umas duas músicas que seguem essa onda de trocar o tempo pelo contratempo, e que, também, funcionam na maciota. Acho legal também a forma com que ele toca a introdução. De novo, parece bem simples, mas ele faz de um jeito honesto e eficaz. Uma pena que tenha saído da banda...


DAVID ROBINSON
“ROADRUNNER”
The Modern Lovers – The Modern Lovers, 1976

Uma coisa difícil de sacar é quando o cara toca simples pq escolheu tocar assim (e tem um punhado de coelhos na cartola) ou pq só sabe tocar assim. Mas, no fim das contas, isso não importa, já que o que vale é o que está gravado, o que serve à música e ao arranjo. Quando a batida funciona, ninguém quer saber se o baterista gravou apenas com uma mão, ou suando desesperadamente a camisa.
Essa música é um ótimo exemplo de uma batida perfeita, independente da técnica de quem segura as baquetas. Aqui, se o baterista tocasse um pouco mais ou um pouco menos, a coisa não funcionaria. David Robinson achou a levada ideal para essa grande música, com o bumbo tocando quase sempre, com os pratos na hora certa e com o ximbau empurrando os colegas.
Conheci essa banda por causa do Carlos, meu amigo do Prot(o), e gostei muito do que ouvi. Ouço até hoje com muito gosto.


DANNY GOFFEY
“MOVING”
Supergrass – Supergrass, 1999

Vi o show do Supergrass no Brasil, quando eles tocaram no Hollywood Rock. Já gostava desse baterista, que, na época, era um descendente direto da arte de Mitch Mitchell. Ao longo dos anos, DG mostrou que tinhas mais cartas na manga, e por trás de uma aparente batida rápida e rasteira, havia uma solidez de fazer inveja a muito “massa bruta” por aí.
Escolhi essa música pq mostra que ele, além de veloz e firme, tem balanço de sobra.
Ótimo baterista, numa excelente gravação de uma banda fodassa.


STEPHEN PERKINS
“BEEN CAUGHT STEALING”
Jane's Addiction – Ritual de Lo Habitual, 1990

Sempre achei o SP muito adulado pela mídia baterística. Nunca vi nele uma coisa tão diferente de seus colegas californianos dos anos 80 e 90. Mesmo assim, ele tem uma moral gigante junto aos críticos norte-americanos. Talvez por causa dessa música (desse disco), não sei, ele tenha ganhando fama com essa corriola. De qualquer forma, o que ele faz nessa gravação é digno de uma nota 10! SP conseguiu dar um balanço fenomenal num funk de branco. As percussões, o baixo e a guitarra funcionam muitíssimo bem com a bateria. Uma coisa que acho bem difícil é criar uma batida que consiga reunir o drive do rock com o swing do funk. E aqui, SP conseguiu fácil, fácil.



PETE THOMAS
“TOKYO STORM WARNING”
Elvis Costello – Blood & Chocolate, 1986

Sabe quando vc escuta uma música e pensa: - “Eu gostaria de ter gravado essa”. Com as músicas do Elvis Costello (principalmente na fase dos Attractions), eu penso além: - “Gostaria de tocar como esse cara”. Até pouco tempo não sabia que o baterista para a maioria desses hits de EC era Pete Thomas. Fiquei muito impressionado com a bateria dessa música (e com todas as que ele já gravou). PT carrega nos toms uma batida difícil, cheia de inflexões, num andamento que só funciona nesse BPM (se atrasar ou adiantar a música morre). É uma aula de controle e de balanço por mais de 6 minutos. Escolhi essa música, mas existem dezenas de gravações magistrais dele com o Elvis Costello. Vale a pena ir atrás. O toque de PT é pesado na medida certa, com o swing certo, com a técnica exata.


Era isso.
Abs e feliz 2008!
Txotxa