quarta-feira, 1 de julho de 2009

Liberty DeVitto


Eu sei, eu sei, o nome não é dos melhores, mas, de certa forma, combina com seu visual nos anos 80. Mas apesar do nome (que não tem parentesco comprovado com o pequeno ator Danny), Liberty DeVitto é um grande músico. Fodasso, mesmo.

Liberty ficou conhecido por ter sido, durante décadas, o baterista oficial de Billy Joel, o Guilherme Arantes norte-americano. Tanto no estúdio quanto ao vivo, LDV sempre teve uma batida pulsante, bem marcada e sempre tocou com uma propriedade de quem conhece a música de trás para frente.

LDV é um cara que comanda o arranjo. Quando a bateria entra, fica claro (pelo menos eu acho) quem tem as rédeas da música. Nos Beatles, por exemplo, esse chicote sempre me pareceu estar na mão de Paul McCartney. Já nos Stones... :)
E essa característica sempre me atraiu nos bateristas – caras que sabem o arranjo de cor e salteado e, de certa forma, coordenam o som da banda.
Talvez por isso, ele tenha entrado com um processo contra BJ, alegando que ajudou na composição de várias canções nesse período.

Conheci LDV num documentário da turnê de Billy Joel pela antiga URSS. Esse show passava direto na TV, acho que em 1988, e eu sempre ficava de cara com a bateria das músicas. Era um timbre seco, sem muitas nuances, mas com uma precisão e energia incríveis. Aqui tem um trecho http://www.youtube.com/watch?v=ymG2a3t7K2g

Então, vamos à seleção musical de hoje...

Mas antes, uma mudança nesse podcast: em vez de montar uma seleção de várias gravações e momentos de Liberty DeVitto, escolhi um disco apenas para mostrar tudo isso. Além de facilitar a vida do rapaz aqui, incentiva o pessoal a comprar o CD :)



O disco escolhido é um bônus que saiu na edição comemorativa de 30 anos do “The Stranger”, disco mais conhecido de Billy Joel (à venda nas boas casas do ramo por umas 50 pilas). Trata-se de uma gravação feita no Carnegie Hall, em NYC, em junho de 77, meses antes do lançamento do disco de estúdio. E essa gravação ao vivo é foda em todos os sentidos: mostra a banda super coesa, com arranjos de primeira e um som de altíssimo nível.

Vamos às considerações:

1. MIAMI 2017 (SEEN THE LIGHTS GO OUT ON BROADWAY) [Live]
Curto esses shows que começam com esse “drone”, num clima meio do futuro (que, de certa forma, tem a ver com a letra da música). O começo é bem macio, mas quando LDV entra na jogada, já descendo a lenha, mas com muito balanço, a música decola. E o mais legal é que ele mantém esse pique durante todo o disco.

2. PRELUDE / ANGRY YOUNG MAN [Live]
Essa faixa foi o que me inspirou a escrever exclusivamente sobre esse disco. Uma aula de arranjo (½ progressivo + ½ pop) e de execução. O “PRELUDE" é cheio de partes complicadas e LDV acerta na mosca em todas. O ximbau que ele toca no começo, colado no piano, é digno de nota, assim como a gaita tocando o tema. Quando a canção “ANGRY YOUNG MAN” entra, o show começa para valer. Aliás, não sei pq não abriram com esse mix – ia ser mais impactante. Fica claro nessa faixa o quanto Billy Joel é um monstro no piano. Há uns anos, vi na TV ele tocando coisas clássicas, tipo J.S. Bach, sem suar a camisa.

3. NEW YORK STATE OF MIND [Live]
Isso é muito anos 70 – os timbres, o arranjo, os solos. Pq nos anos 60 o som e a execução eram mais frouxos, não tinham essa firmeza. E nos anos 80, essa música teria mil camadas de sintetizadores (tipo as baladas de Peter Cetera no Chicago) e uns 5’ mais curta. Hoje, então, nem se fala... Curto também a moral do sax, solando sozinho, até gastar o fôlego. Quem fazia músicas desse tipo, com mais qualidade, era o Paul Simon, mas, na minha opinião, BJ era mais honesto e menos "loser".

4. JUST THE WAY YOU ARE [Live]
É engraçado sacar a recepção morna do público com essa música, que, pouco tempo depois, iria faturar uns Grammys e bombar nas paradas de sucesso. A batida ao vivo é mais dura do que a versão de estúdio (também gravada por LDV e que eu prefiro), mas mantém o clima. Música foda é assim: funciona em qualquer formato. Se eu estivesse nesse show e fosse um pião de carteirinha, dançaria abraçado com minha mulher.

5. SHE'S GOT A WAY [Live]
Eu adoro o Rufus Wainwright e, de certa forma, até acompanho a sua carreira (apesar de não ter ido ver o rapazola aqui em BsB), mas não me lembro de ouvir o Billy Joel como sua influência – até mesmo pq as influências listadas por ele são coisas como Verdi e Judy Garland. Mas essa música (a voz, o jeito de cantar e tocar, o andamento) parece muito com o som que ele faria hoje.

6. THE ENTERTAINER [Live]
Essa música tem um quê meio brega. Talvez pela letra, não sei, mas eu sempre acho ela meio safada. Mesmo assim, adoro a melodia e a batida. A voz de BJ alcança umas notas altíssimas, mas sem perder a potência. A bateria vai entrando aos poucos (ximbau e bumbo), pontuando a melodia com o baixo e chamando os outros instrumentos para dentro do arranjo. Quando a batida entra para valer, dá para notar que LDV está descendo a porrada, sem economizar um centímetro de músculo. Essa música tem uma batida que é meio complicada de acertar, pq a gente tem a tendência de encher de notas, criando uma onda que nem sempre valoriza o balanço. Mas Liberty segue firme e sólido. É legal perceber como ele toca perfeitamente o bumbo ao longo da música.

7. SCENES FROM AN ITALIAN RESTAURANT [Live]
A música, apesar de um clássico no catálogo de Billy Joel, nunca me empolgou. Me amarro, no entanto, na parte do meio. Mas o legal nessa gravação é ver o quanto a banda anda junta, toda certinha.

8. BAND INTRODUCTIONS [Live]
Aqui ele apresenta a corriola.

9. CAPTAIN JACK [Live]
Essa é uma das primeiras músicas de BJ. Parece que fala de traficantes e junkies de NY. Gosto da forma como LDV vai introduzindo a batida, fazendo a música crescer. Depois do solo de guitarra tem um clima meio zoneado de reggae bem bacana. Mas depois dessa onda, vem uma coisa que eu não esperava: uma catada escrota de LDV, logo na entrada do refrão. Imagino que ele tenha se empolgado e metido, literalmente, os pés pelas mãos. Mas isso não atrapalhou em nada a sua execução impecável (pelo menos até aqui).

10. I'VE LOVED THESE DAYS [Live]
Uma música bem bacana, em que a bateria vai entrando e saindo, criando vários climas. Nessa hora do show já rola um cansaço por causa da seqüência de baladas. Mesmo que a idéia seja criar um clima, eu me amarro quando o set list dá uma quebrada no ritmo (para mais ou para menos).

11. SAY GOODBYE TO HOLLYWOOD [Live]
Aqui eu ficaria de pé, batendo palmas (que pião... :)). Clássico que BJ toca até hoje. Tem um jeitão forte de FM, né? O coro e a harmonia me lembram as coisas do Steely Dan, mas como uma pegada bem mais pop e mais sólida. LDV desce a lenha, sem parecer que já se passaram mais de 50’ de show. E na entrada do solo do sax ele faz uma virada muito bacana.

12. SOUVENIR [Live]
E aqui um clima bacana de bis.


Bom era isso.
abs
Txotxa

terça-feira, 10 de março de 2009

Joe Morello


Mantendo o meu ritmo acelerado e constante de atualizações, vou escrever hoje sobre o grande Joe Morello. Para quem não ligou o nome à pessoa, ele foi, por mais de duas décadas, membro de um dos maiores e mais famosos grupos de jazz de todos os tempos: o The Dave Brubeck Quartet.

Com esse grupo, JM viajou o mundo inteiro (eles eram, REALMENTE, muito famosos) e ajudou a divulgar o jazz em lugares, até então, meio desligados desse estilo musical.

Assim como a maioria de seus colegas, JM descobriu a bateria pelos caminhos da música erudita. Ele aprendeu sobre tímpanos, sinos, pandeiros, pratos e tudo mais. Mas numa época onde as big bands comandavam, Morello se viu rapidamente sentado atrás de um kit tocando jazz.

Hoje, do alto dos seus 80 e poucos anos, é o que ele ainda faz. Na verdade, se especializou também na arte e ensinar. Escreveu dois livros fundamentais sobre técnicas baterísticas e dá aulas para um seleto grupo de alunos sortudos.

A partir da seleção abaixo, vou tentar explicar o que faz com que JM seja considerado um dos maiores bateristas de jazz de todos os tempos. E para mostrar o quanto isso procede, li certa vez que Buddy Rich, quando estava nas últimas, adoecendo num quarto de hospital, disse para sua esposa: “Diga ao Joe que não pare nunca de tocar. Ele é um dos poucos que entendem do assunto”. Quer credencial melhor do que essa?

Ah, para facilitar a vida de todos (especialmente a minha), só escolhi músicas dos anos de Morello com Dave Brubeck, na formação clássica do quarteto, que contava ainda com baixo seguro de Eugene Wright e com o sax mais lírico do jazz, Paul Desmond.

Vamos às músicas:

Podcast: http://podcast1.com.br/canal.php?codigo_canal=705
(tive que mudar de novo o servidor...)

WATUSI DRUMS
Time In, 1966
É impressionante a qualidade técnica de JM nessa música. Repare como a mão esquerda toca a caixa o tempo inteiro (e ainda dá uma dinâmica fenomenal). Tão difícil quanto tocar essa batida é imaginar a falta que ela faria nesse blues. Aliás, sem querer desmerecer a genialidade de Paul Desmond, mas eu adoro quando o quarteto vira trio e podemos ouvir o quanto Dave Brubeck e Eugene Wright sabiam swingar.

COUNTDOWN
Countdown: Time in Outer Space, 1962
Aqui Joe Morello toca também os tímpanos – coisa que ele aprendeu desde cedo, numa formação erudita de 1a. De novo, o quarteto funcionando muitíssimo bem como trio. Dave Brubeck toca um piano boogie-woogie digno da realeza de New Orleans. Como o nome do disco já diz, o tempo aqui foi para o espaço. Pelo menos no que diz respeito à tradição do jazz, acostumada aos compassos de 2, 3 e 4 tempos. Mas o TDBQ faz esse tempo de 5 (pelo menos eu acho que é isso) soar agradavelmente redondo.


CHARLES MATTHEW HALLELUJAH
Time Further Out, 1961
Essa foi escrita para celebrar o nascimento de um dos filhos de Brubeck. Sempre gostei dessa música pela forma como o sax alto e o piano vão se revezando no esquema de pergunta e resposta da melodia. E as vassourinhas de Joe Morello parecem que vão levantar vôo, tamanha é a velocidade desse andamento (*). O solo que ele faz é de muito bom gosto, além de muito técnico. Aliás, um dos diferenciais de JM para os outros grandes que tocavam em sua época (Buddy Rich, por exemplo) é que ele tocou com o mesmo grupo, com as mesmas pessoas, nesse formato de quarteto, durante muito tempo. Querendo ou não, ele acabou adaptando a sua tremenda técnica aos limites do conjunto. Diferente do que fazem boa parte dos bateristas de jazz, que “precisam” mostrar o quanto são fodas o tempo inteiro, JM toca 100% como parte do time. E nesse ponto, ele se aproxima muito dos (bons) bateristas de rock, que pensam a sua bateria nunca em termos técnicos, mas sim como parte do todo.

(*) Ah, por falar em andamento rápido, queria indicar esse vídeo do sensacional Bill Cosby. Vale muito a pena... principalmente, a partir do 1o. minuto.
Bill Cosby @ Dick Cavett


IT'S A RAGGY WALTZ (Live)

The Dave Brubeck Quartet at Carnegie Hall, 1963
Resolvi arriscar e colocar uma música de 7’. Preferi essa versão a de estúdio pq mostra o quanto esse quarteto sabia improvisar. Uma das críticas que o grupo recebia de muita gente (muita gente boa, inclusive) era que tocavam muito dentro dos limites do tema, sem muito espaço para o improviso (que é a razão de ser do jazz). Mas essa música (e esse disco) mostra que a crítica se dava mais, talvez, pelo sucesso que faziam do que propriamente por suas habilidades criativas. Quer ver, repare como DB, no meio de seu solo, empurra a batida para um swing clássico, enquanto os outros permanecem firmes do 3/4, lá pelo 12’26” do podcast.


KATHY'S WALTZ
Time Out, 1959
Clássico. Tava lendo algumas coisas aqui e descobri que esse disco (que tem o mega hit “Take Five”, com um solo de bateria tão conhecido quanto “Moby Dick”) chegou ao Top 5 da Billboard quando foi lançado. Que coisa, não? É impressionante o quanto esse disco, ainda hoje, agrada qualquer um de primeira. Mesmo que o freguês não entenda nada de jazz, acaba se interessando muito pelo som. Cá para nós, foi exatamente o que aconteceu comigo :)). Bom, sobre essa música, é interessante notar que ela começa com um swing e logo cai para o tempo de valsa (quando entra o sopro). Até aí, tudo bem. O grande barato é quando o solo de piano já está lá pelo meio e Dave Brubeck começa a mudar o pulso, tocando um clima de swing, enquanto a bateria fica na valsa e o baixo se mantém firme na batida.


SHORT'NIN' BREAD
Gone With The Wind, 1959
Pensei muito antes de colocar essa música porque, mesmo sendo curta, é praticamente um solo de bateria (o que, a princípio vai contra as regras desse blog). Mas acho que ela ajuda a mostrar o quanto Joe Morello era musical e cheio de swing. Experimente bater palma ou o pé junto com o ximbau. Quando menos esperar, vai estar dançando...


HE DONE HER WRONG
Time In, 1966
E por falar em dançar, isso é o mais próximo que um compasso de 5 tempos chegou de um agito festivo (pelo menos em terras ocidentais). Gosto muito do esquema do pandeiro por cima da caixa (eu acho que é assim que ele toca). Um balanço de primeira qualidade!!!


MAORI BLUES
Time Further Out, 1961
Rapaz, como eu ouvi esse disco... Tenho ele em vinil, em cd e em cassete. Tem uma capa maneiríssima – uma pintura de Joan Miró. Aliás, o subtítulo do álbum é “Reflections on Miró”, já que o quadro em questão é cheio de números espalhados, e Dave Brubeck resolveu montar as músicas nos compassos referentes a cada um desses números. Essa música mostra bem as diferenças de clima entre o swing e o blues. Repare como ela começa mais carregada e, aos poucos, o piano vai se soltando e “correndo”para um pulso mais jazz. A bateria acompanha, mas o baixo fica como está, e isso cria uma tensão bem bacana.
Olha a capa aqui:




SOBRE LAS OLAS
Bravo! Brubeck!, 1967
Essa gravação foi feita ao vivo no México, junto com uns músicos mexicanos. É interessante notar o quanto Joe Morello, sendo um brancão de Boston, interage bem com os bongos latinos. Tendo a acreditar que não existe barreira cultural quando falamos de grande músicos, e aqui isso bem claro, não? Muito legal também a forma com que JM, na hora do tema tocado pelo violão, abre e fecha suavemente seu ximbau. Classe de sobra...


CAMPTOWN RACES
Gone With The Wind, 1959
A 1a. vez que ouvi essa música foi no filme mega-indie-clássico instantâneo “Consciência Limpa”, do meu grande amigo Jr. Elcio, lá por volta de 1991. É impressionante o poder que a música certa num filme exerce sobre nós. E esse é um dos casos, certamente. Depois, quando fui prestar mais atenção nessa gravação, fiquei de cara como essa bateria é de outro mundo. Repare que JM, quando está nas vassourinhas, está tocando o bumbo como se fosse um surdo, cheio de inflexões difíceis até para as mãos (o que dizer para os pés!!). Uma aula de orquestração e bom gosto para deixar qualquer um de queixo caído.


UNSQUARE DANCE
Time Further Out, 1961
Essa nem tem tanta bateria assim, mas acho legal o clima das palmas e o desafio de tocá-las no tempo :)) E dou 2 reais para quem conseguir explicar o final.


BLUE RONDO A LA TURK
Time Out, 1959
Como escrevi a algumas músicas atrás, esse disco me impressionou numa época em que eu não sabia (nem queria saber) nada de jazz. Estava no 2o. grau e minhas preocupações musicais eram outras. No entanto, quando peguei esse disco emprestado com o amigo Espiga (um dos fundadores do grupo TUBA ANTIATÔMICA), junto com o "Blues on Bach"(Modern Jazz Quartet), fiquei de cara. Mesmo sem entender tudo que estava lá, sabia que era um som do caralho. E essa música, a 1a. do disco, é muito impactante. Até hoje considero essa introdução uma das coisas mais maneiras já feitas por um grupo. Repare como a bateria vai entrando aos poucos, como o sax ora reforça a linha melódica do piano e ora expande essa melodia.
Nota 10!


Era isso.
abs
Txotxa