sexta-feira, 11 de abril de 2008

Carlton Barrett (1950 – 1987)




Montar um podcast sobre Carlton Barrett é ao mesmo tempo um clichê desgraçado e uma novidade exclusiva.

O clichê é mais fácil de se perceber, já que a onda do reggae e o estilo de vida jamaicano (parte dele) estão impregnados em nossa cultura. Desde um mendigo da Cracolândia, em São Paulo, até o Luciano Huck (outro tipo de mendigo paulista), todos sabem cantar pelo menos uma música de Bob Marley (e sabem bem quem foi o homem). Por isso, escolher algumas dessas músicas pode dar a impressão de que estou chovendo no molhado, de que fiz uma seleção meio safada. Daí a idéia do clichê.

E a exclusividade vem do fato de que o reconhecimento da arte de Carlton Barrett ser inversamente proporcional ao sucesso das músicas de Bob Marley. Pouco, ou quase nada, se fala do baterista. Sly Robbie, por exemplo, tem muito mais nome e moral do que CB. Tudo bem que o outro é produtor e transita em várias áreas, mas é inadmissível que CB (junto com seu irmão, Aston) seja reverenciado apenas pelos entendidos do assunto.

Por tudo isso, vou tentar aqui homenageá-lo da forma adequada.

Mas antes uma historinha...
No auge da minha indolência juvenil, em 1990, recebi o convite do amigo Beto Bugarim para tocar num projeto de reggae chamado Cravo Rastafari (que, anos depois, viria a se tornar o Maskavo Roots – hoje apenas Maskavo). No repertório de 4 músicas tinha uma dos Slickers (Johnny Too Bad) e 3 de “Bobito” (Jammin’, Stir It Up e, claro, Woman No Cry). Fui lá, tirei as músicas e até que tocamos bem na estréia. Tão bem que, mesmo com apenas essas 4 músicas, tocamos em tudo que é lugar de BsB. Claro que a época ajudou, já que a tal cultura jamaicana ganhava cada vez mais espaço junto aos formadores de opinião de nossa cidade: os playboys.

Bom, o fato é que passei uns bons anos tocando esse som (além daquelas 4 músicas), mas sem nunca entender, de verdade, a grandeza e a peculiaridade dessas baterias. Lembro até de um professor que tive (o único e que durou umas 3 aulas) me explicando a batida do reggae. Ele tocou a levada de “Reggae Night”, do Jimmy Cliff, e passou para próxima lição. Vai entender...

Hoje, eu me considero um cara que tem alguma noção de como se fala essa língua do reggae. Na verdade, achei uma definição no site do curso de alemão Goethe que define bem a minha relação com os vocábulos jamaicanos: “É capaz de compreender e usar expressões familiares e quotidianas, assim como enunciados muito simples, que visam satisfazer necessidades concretas. Pode apresentar-se e apresentar outros e é capaz de fazer perguntas e dar respostas sobre aspectos pessoais como, por exemplo, o local onde vive, as pessoas que conhece e as coisas que possui. Pode comunicar de modo simples, se o interlocutor falar lenta e distintamente e se mostrar cooperativo.” Perfeito.

Bom, mas que diabos essa música tem de tão difícil assim? “Será que fumar 1kg de maconha diariamente e desligar a água do chuveiro por 3 anos não é suficiente para entender o gingado de Trenchtown?”, alguns podem se perguntar. Eu diria que não é o suficiente, apesar de que isso pode até ajudar em termos de andamento :-).

A dificuldade, ao meu ver, é a pulsação. É isso que derruba a maioria dos bateristas que se aventuram por essas terras. Nós estamos acostumados a ouvir o rock, aquele compasso que é uma linha reta, sem sobressaltos, onde o caminho mais indicado é sempre seguir adiante.
Desde Buddy Holly, passando pelos Beatles, até o Nirvana, a pulsação (nem sei se estou usando o termo corretamente) é bem parecida. Independente da velocidade, o 1 no rock (e suas adjacências) tem o mesmo tamanho, a mesma força e o mesmo endereço.

Já no reggae, a batida ganha destaque nos respiros desses tempos (contratempos), e o tempo forte passa ser o 2, que, no estilo one drop, é tocado pelo bumbo. E isso vai contra a noção de backbeat – aquilo que as pessoas instintivamente acompanham com as palmas e que serviu de base para tudo que veio a partir do jazz de New Orleans.

Assim, o desenho na cabeça do baterista muda completamente. Por exemplo, uma pratada no início do compasso já não é tão bem-vinda no reggae quando seria em 99% das músicas pop de hoje. Por isso, eu acho que são poucos os bateristas não-jamaicanos (ou descendentes dessa cultura) que consigam manter essa pulsação com a propriedade que o estilo merece.

Bom, tudo isso para chegar até Carlton Barrett, um dos maiores bateristas de todos os tempos.
A partir da seleção musical abaixo, vou tentar explicar o porquê dessa minha admiração incondicional por esse fabuloso músico.

Ah, lembrando que a lista reúne apenas as gravações de CB com os Wailers. Coisas que ele gravou com Peter Tosh, Ziggy Marley & The Melody Makers, Alpha Blondy ou com os Upsetters ficaram de fora. Achei melhor listar apenas as coisas de BMW, já que são mais fáceis de se achar e mostram muito bem as qualidades de CB.

Vamos ao podcast:
http://lomez.mypodcast.com/


LIVELY UP YOURSELF
Live!, 1975
Essa é uma das melhores baterias que já foram gravadas. A energia de CB é a força-motriz dessa música, e, mesmo mudando a célula da batida a cada dois compassos, ele não atrapalha o arranjo. Muito pelo contrário – a sua fluência faz com que cada parte soe diferente da outra (mesmo não sendo no papel). Alguns dos fills (ou viradas, se preferirem) que ele faz estão na lista dos mais difíceis que já escutei (e que vivo tentando, sem sucesso, imitar). Dá gosto de ouvir uma coisa e saber que ninguém nunca vai chegar perto dessa qualidade.

DUPPY CONQUEROR
Burnin', 1973
Gosto dessa versão por conta da liberdade com que a bateria e a percussão (com as vassourinhas) são tocadas. Numa versão anterior a essa, mais roots, a bateria toca de forma mais tradicional. Essa versão (aliás, esse disco) tem um clima meio funky. Talvez por isso o baixo seja tão preponderante.


TALKIN' BLUES
Natty Dread, 1974
Essa é uma aula de cadência. Gosto muito do início, num clima meio R&B. Parece que essa foi escrita por CB junto com Bob Marley. Coisa finíssima. A forma com que CB abre o ximbau foi assumidamente copiada por Stewart Copeland ao longo de sua carreira. E tocar assim é tão difícil, pq vc deixa o ximbau soar, sem tocá-lo, no meio do compasso, o que te obriga a ter uma concentração (ou talento) dos infernos para atrapalhar o andamento. E Carlton Barrett faz isso com a precisão de um relógio.


RUNNING AWAY
Kaya, 1978
E por falar em controle do tempo, essa música é um perfeito exemplo disso. Um andamento lento, difícil, bem dividido, que seria o pesadelo de qualquer baterista. E aqui, já não falo mais do reggae, e sim de músicas lentas no geral. Vc pode medir a qualidade de um baterista pela forma com ele toca as baladas. São poucos os que tiram de letra esse desafio. E CB não só toca perfeitamente dentro dos limites do BPM, como também faz viradas ao longo das passagens. De novo, uma coisa que só se arrisca a fazer quem tem o dicionário do estilo todo memorizado ou é doido. CB é certamente o primeiro caso.


NIGHT SHIFT
Rastaman Vibration, 1976
Isso é pressão e o resto é brincadeira. Note que o andamento em relação à música anterior não é tão diferente, mas esta aqui é empurrada para frente (melodia e linha de baixo). E isso faz com que a bateria segure a batida na marra. Para ter a idéia, é como se vc sacudisse uma garrafa de 2l de Coca-Cola e deixasse em cima da mesa de cabeça para baixo. É esse nível de pressão a que me refiro. Tanto que CB não usa o prato uma vez sequer – se der uma folguinha a música desanda.

Gosto muito das discussões sobre o verdadeiro “dono” do tempo numa música. Instintivamente, imaginamos que é o baterista o cara com a melhor noção de tempo de um grupo, já que ele é quem tem essa obrigação dogmática. Mas nem sempre isso é verdade. Caras como Ray Charles e Stevie Wonder eram donos de uma noção assustadora de ritmo – certamente, maior do que a de seus bateristas. E nesses casos, os bateristas suavam a camisa para não tomarem uma dura no meio de uma música. Mas mesmo esses fenômenos teriam dificuldade em superar o controle de CB nas linhas de um compasso.


COMING IN FROM THE COLD
Uprising, 1980
Toda vez que toco essa introdução sempre dou uma roubada. Acabo entrando na hora certa, mas nunca soube fazer essa contagem direito. Gosto muito dessa música péla sutileza com que CB toca os pratos nos ataques “No, Dread, no!”. A tendência é meter a mão nessa hora, mas ele toca macio, na altura certa, sem esforço. Outra coisa bem legal é a variação do bumbo ao longo da música.
* Ooops, comi mosca ao incluir esta no hall de músicas do Carlton Barrett. Segue abaixo a correção do colega Leonardo:

Realmente você conhece m pouco dereggae sim. Porém, a música coming in from the cold não foi gravada por Carlton Barrett, e sim por Carlton "Santa" Davis o batera da Soul Syndicate Band. O disco de Bob, Uprising, de 1980 foi gravado com Carly na batera, apenas a faixa um do disco é com Santa.
ESCUTE o disco e verá a pegada que não é de
Carlton.


Taí o gabarito...

RASTA MAN LIVE UP
Confrotation, 1983
E o bumbo também o lance legal dessa. CB começa na batida one drop e já muda para o bumbo nos 4 tempos. Essa música mostra bem a onda do reggae, que descende diretamente do R&B. Não dá, por exemplo, para tocar essa música direto, retona, tipo o Police fez a vida inteira (“Can’t Stand Loosing You”). Ela tem uma onda shuffle, meio redonda, que tem um balanço particular. E isso, aliás, é a dificuldade de se tocar reggae: a batida puxa para o shuffle, enquanto a guitarra corta durona o contratempo. Se não ficar de orelha em pé, o trem descarrilha e a música vai para o saco. Não é o caso dessa gravação, claro....


CONCRETE JUNGLE
Catch a Fire, 1973
Clássico. Esse tipo de batida é bem legal, pq parece que anda sozinha. Pelo andamento, a impressão é que a bateria pode parar de tocar que ninguém vai perceber. E isso dá para perceber nas viradas de CB ao longo da música – ele pára, entra e sai da música sem atrapalhar ninguém. Gosto mais de uma versão dessa música que saiu há uns anos, com a gravação original feita na Jamaica, sem os overdubs do fodasso Chris Blackwell. De qualquer forma, é uma música impressionante.


ONE DROP
Survival, 1979
Talvez uma das músicas mais felizes já compostas por alguém. A letra, até onde entendo, não é tão alegre, mas os instrumentos, a harmonia e as melodias são de outro mundo. Gosto muito do som de bateria desse disco – bem na cara do freguês. E esse som de ximbau é um brilho só. Nota 10!


BAD CARD
Uprising, 1980
Aqui dá para ver bem a idéia do half-time aplicada ao reggae: a guitarra toca o tempo dobrado do ska, e a bateria se mantém na metade do andamento. Isso dá um efeito bem maneiro, empurrando a música para frente para trás. Belíssima composição, mas eu sempre tive a idéia de que a voz de Bob Marley parece numa rotação diferente, meio desafinada.


STIR IT UP
Catch a Fire, 1973
Essa foi a 1ª música que ouvi de Bob Marley & The Wailers. Adoro tudo nela: o timbre, a letra, a melodia, o arranjo. O baixo talvez seja um dos mais marcantes que Aston Barrett já compôs. Essa fórmula de tocar e compor seria levada ao nível de perfeição ao longo dessa década, mas em 73, o ano em que nasci, BMW tocam fácil e cheios de si. Clássico dos clássicos.
* parece que comi mosca de novo. vejam a contribuição de Ras para a postagem:
Olá, grande iniciativa de fazer esse tributo a Carlie Barrett!!! Sou pesquisador da "pegada" deste incrível baterista e gostaria de deixar minha contribuição.Queria fazer uma correção e levantar alguns pontos:1- como o colega disse, Coming in from the cold foi gravada por Carlton Santa Davis, assim como Chant Down Babylon, Ride Natty Ride, Top Ranking, Africa Unite, entre outras. Assim como SO MUCH TROUBLE foi gravada por MICHAEL BOO RICHARDS, baterista que tocou com Jacob Miller, Jimmy Cliff, Wailers (após a morte de carlton) etc. 2- STIR IT UP não foi gravada por Carlie Barrett (VER O VIDEO "CATCH A FIRE" QUE MOSTRA COMO FOI FEITA A GRAVAÇÃO E MIXAGEM DO DISCO DE MESMO NOME).Bless!!!
(vou ter que assistir de novo o Classic Albums do "Catch a Fire")

Era isso.
abs
Txotxa

9 comentários:

F3rnando disse...

Coincidências á parte, "Rastaman Vibration" voltou a frequentar meu cd-player por uns dias ultimamente. Um disco difícil de pular faixa, francamente.

Anônimo disse...

Txotxão,
Comandou! Vc deu uma aula de CB e de reggae.

Anônimo disse...

Curti muito, Txacs. Verdadeira aula. Apesar de adorar a música, reggae ainda é indecifrável pra mim. Este foi um dos melhores posts.

Abs!

Txotxa disse...

f3rnando,
com certeza RV é um grande disco.

pedrão,
valeu, meu querido.

pô machine, que bom que vc gostou. valeu pela presença.

Anônimo disse...

Muito obrigado pela aula meu querido , tb toco bateria , e amo a leveda do Carly , as influencias de blues e jass sao mosntras , ele éra foda , eu queria saber mais motivos da morte dele nao sei c vc sabe , aaaaa e queria saber tb da versao concret jungle 100 over dubs , aonde eu ouço??????
valew , me responde no email gmt_gordinho@hotmail.com

abraço!

Anônimo disse...

Caro Txotxa,
Realmente você conhece m pouco dereggae sim. Porém, a música coming in from the cold não foi gravada por Carlton Barrett, e sim por Carlton "Santa" Davis o batera da Soul Syndicate Band. O disco de Bob, Uprising, de 1980 foi gravado com Carly na batera, apenas a faixa um do disco é com Santa.
ESCUTE o disco e verá a pegada que não é de Carlton.
Abraços.
Fale comigo...
leonardoreggaeroots@hotmail.com

Anônimo disse...

Olá, grande iniciativa de fazer esse tributo a Carlie Barrett!!! Sou pesquisador da "pegada" deste incrível baterista e gostaria de deixar minha contribuição.
Queria fazer uma correção e levantar alguns pontos:
1- como o colega disse, Coming in from the cold foi gravada por Carlton Santa Davis, assim como Chant Down Babylon, Ride Natty Ride, Top Ranking, Africa Unite, entre outras. Assim como SO MUCH TROUBLE foi gravada por MICHAEL BOO RICHARDS, baterista que tocou com Jacob Miller, Jimmy Cliff, Wailers (após a morte de carlton) etc.
2- STIR IT UP não foi gravada por Carlie Barrett (VER O VIDEO "CATCH A FIRE" QUE MOSTRA COMO FOI FEITA A GRAVAÇÃO E MIXAGEM DO DISCO DE MESMO NOME).
Bless!!!

Anônimo disse...

Sobre STIR IT UP, além do video, eu tirei a informação da edição CATCH A FIRE DELUXE EDITION (aquele duplo com mixagem jamaicana original e mixagem feita na Island Records) que diz quem gravou cada instrumento, como:
Peter Tosh nos pianos de STIR IT UP, Robbie Shakespeare no baixo de CONCRETE JUNGLE, esse baterista (que esqueci o nome) em STIR IT UP, etc.
Ahh... aki vai meu blog com alguns reggaes instrumentais (exceto o disco de Marcia) para fazerem download free!
www.rasdrummie.blogspot.com
SOON COME!!!

Unknown disse...

Nossa o carlton barret joga pra lá a pegada dele na batera ninguem tem igual a pulsaçao dele é forte tem uma musica q ele é incriveu queria ate mostrar a vcs nossa ele naum erra nem um pouco na hora de dividir o nome dela é "the heathen" ||O Barbaro|| escuta aiihttp://www.youtube.com/watch?v=OBcgrR0SiM8