sexta-feira, 13 de julho de 2007

Neil “The Professor” Peart

Neil Peart é sinônimo de excelência na arte de tocar bateria.
Quando o assunto é compromisso e integridade musical ele é um dos maiores exemplos.
Ao longo de mais de 30 anos de careira como baterista do Rush, NP mantém uma imagem de músico competentíssimo (com status de lenda) e de letrista de mão cheia (é ele quem escreve os versos de 99,9% das músicas do trio canadense).

Para mim, uma de suas maiores qualidades é o som de seus tambores. NP usava (ainda usa) um kit gigante, com todos os opcionais, mas sempre em busca do timbre certo, do som mais particular. Ao contrário de muitos de seus colegas, que usavam baterias imensas mais pelo visual do que pelo musical, NP mantinha tambores de várias dimensões, com características sonoras diferentes e que serviam especialmente às músicas.

No aspecto “baterístico” das composições do Rush, NP mostrou sempre um esforço tremendo para não ficar no básico, no mais elementar. Na corrente oposta dos bateristas dos anos 60, a bateria de NP era cheia de partes, de detalhes, de variações (chegando até a quebrar o balanço, o swing). Até hoje é assim. Ele mesmo já disse que não consegue se contentar em tocar uma música inteira da mesma forma, o tempo todo. E sempre conseguiu fazer isso muito bem: criar uma composição dentro de outra. Graças a essa característica orquestral de sua bateria, basta ouvir a parte de NP (sem voz ou guitarra) para sabermos exatamente onde está a música. E mesmo caras tarimbados na arte do progressivo, como Carl Palmer e Bill Bruford, não tinham esse cuidado todo na hora de compor as suas baterias.

Uma outra qualidade de Neil Peart que muito admiro é a sua postura em relação à vida.
Explico: em 1997, NP perdeu sua filha de 19 anos num acidente de carro. Dez meses depois, sua mulher morreu de câncer. É claro que ele ficou devastado e pediu as contas do grupo. Passou os meses seguintes viajando de moto pela América do Norte.

Não quero (e nem sonho) especular aqui o que passou pela cabeça de NP nesse período (apesar de ele ter escrito um livro sobre esses anos de sofrimento), mas acredito que a sua volta às atividades musicais mostra (pelo menos para mim) uma ligação muito forte com a vida e um entendimento do curso natural da nossa existência.

Bom, vou tentar organizar melhor a minha admiração por NP a partir da seleção musical abaixo:

MALIGNANT NARCISSISM
Snakes & Arrows, 2007

Essa é do último disco deles e mostra o quanto NP ainda mantém firme a pegada. Aliás, isso é prova da dedicação com que NP trata o instrumento. Vi no YouTube uma entrevista onde ele dizia que, antes de cada turnê (principalmente as mais recentes), ele ensaia sozinho (isso mesmo!) todas as músicas do repertório. Dessa forma, na hora de tocar com a banda, ele não engasga numa virada mais complicada (são tantas) ou num andamento mais acelerado.

BENEATH, BETWEEN & BEHIND
Fly By Night, 1975
Uma das músicas que mais gosto do Rush. Esse foi o 1º disco de NP com o grupo. Acho muito legal o fato de a bateria acompanhar todas as divisões da música. Normalmente, gosto mais das pessoas que buscam dar um balanço, pensando numa linha mais simples, mas sem deixar de lado as marcações do arranjo (Matt Cameron, do Soundgarden, faz isso muitíssimo bem). Mesmo assim, a precisão de NP nesse arranjo é tamanha que se torna mais musical do que técnica. Outra coisa que adoro nessa música é o som dos pratos.

SUMMERTIME BLUES
Feedback, 2004

Disco de covers do Rush, onde eles prestam homenagem a uma turma da pesada. Essa versão é bem maneira, onde ele toca meio num clima de Keith Moon e mostra que sabe, também, manter a batida simples e no lugar.

XANADU
A Farewell to Kings, 1977
Desculpem pela duração da faixa, mas essa aqui reúne todas as características de NP: precisão cirúrgica, sonoridade rica, execução magistral, dinâmica exemplar e uma bateria orquestral – tudo isso com muita musicalidade. Outra coisa que adoro em NP é a forma com que ele usa a percussão no meio da música (essa música é cheia de ótimos exemplos). Sei que outras músicas são lembradas como mais representativas da arte de NP, mas se eu tivesse que escolher uma única música para mostrar o quanto NP é sensacional, escolheria essa.

VITAL SIGNS
Moving Pictures, 1981
Curto esse misto de som do futuro com o clima do reggae (bem anos 80). A forma com que NP toca em cima da guitarra no contratempo entorta a noção natural de tempo de qualquer um. Outra coisa legal é a forma com que ele alterna as estrofes, ora tocando na bateria eletrônica, ora na acústica. E por falar em acústica, de todas as gravações do Rush, esse o som de bateria que eu mais gosto (ouça a virada no 22’32”). Sei que todas as músicas deles, independente da época, são bem complicadas, mas eu confesso que tomaria uma surra federal se tivesse que tocar essa.

YYZ
Exit...Stage Left, 1981

O primeiro solo de bateria que eu ouvi na vida! Lembro como se fosse ontem: estava na casa da minha tia, ouvindo uma fita com os meus primos (Tutu e Nino) que havia sido gravada pelo Fábio (grande baterista e amigo de infância deles). Tinha umas coisas dos Beatles que eu conhecia meio de orelhada. Mas, de repente, entra YYZ. Até o momento, eu nunca havia prestado muita atenção numa gravação de bateria. Fiquei totalmente impressionado (com a música e, principalmente com o solo). Até hoje é assim. E não só para mim. No vídeo do tributo organizado por NP para Buddy Rich, em meio a tantos jazzistas virtuoses, o solo mais aplaudido da noite foi o de NP. E justamente porque, no meio de uma emulação do que seria um solo de baterista de big band, ele decide ser Neil Peart e toca a parte dos cowbells.

FORCE TEN
Hold Your Fire, 1987
Essa levada de caixa (na introdução e no solo de guitarra) é bem bacana, bem macia. Precisa ter muito controle para não sufocar o som. Vi o show do Rush de 30 anos e ele ainda toca do mesmo jeito. E o pior, ainda dispara todos os efeitos ao vivo.

ONE LITTLE VICTORY
Vapor Trails, 2002

Introdução matadora. Aliás, a música nem é tão bacana assim, mas a execução de NP é impecável. Não quero forçar uma comparação, mas escrevendo esse post lembrei do vídeo (Some Kind Of Monster) que mostra a gravação do disco do Metallica. Lars Ulrich é indiscutivelmente um baterista fodasso, com muito estilo e pouco caráter (hehe), mas uma coisa me chamou a atenção numa de suas conversas com o produtor do disco que viria a ser o St. Anger. Depois de suar a camisa para gravar uma passagem extremamente difícil (a bateria foi gravada de partes em partes), o produtor manda LU treinar se quiser um dia tocar isso ao vivo. Posso estar enganado, mas apostaria que NP gravou essa música, com introdução e tudo, numa tacada só. Mesmo depois de tantos anos como superstar, ele tem humildade para sentar o traseiro e praticar da mesma forma que faz um moleque de 14 anos. E não é, acredito, pela vaidade da coisa (“não posso fazer feio”), mas sim pela humildade e pelo respeito que tem pela profissão.

TOM SAWYER
Rush In Rio, 2002
Incluí na lista só por causa da platéia. A música é sensacional, mas os brasileiros que lá estavam deram um show a parte. Note como NP não deixa passar nenhum deslize – toca com a mesma diligência e compromisso de 25 atrás.

Músicas: https://open.spotify.com/playlist/2PlaNWMGA2FfPzZJtWmkfZ?si=daa425211f29484a
Valeu
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