sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Os Cardigans são fora de série!

Com a minha saída do Facebook, a necessidade de escrever os meus pensamentos (e que não interessam a ninguém, eu sei) aumentou consideravelmente. E como eu já tinha esse espaço aqui – que foi a minha alegria durantes muitas tardes de trabalho perdidas – resolvi reativar o blog.

Só que não vou manter a compostura editorial e falar apenas de bateristas.
Vou teclar aqui sobre tudo o que me interessa.

No momento, gostaria de falar do My Music, da Apple.
Quer dizer, não vou falar nada sobre ele agora...
Apenas vou dizer que, graças a ele, pude ouvir uma música numa versão que me derrubou da cadeira de tão sensacional (e simples).

Já falei aqui do fenomenal Bengt Lagerberg, baterista do igualmente fenomenal Cardigans.
Pois bem, ouvindo o iTunes Originals: The Cardigans me deparei com a versão de “Favourite Game” para esse projeto. Que coisa fora de série! Tanto pela bateria quanto pela banda! Ao vivo! Foda demais!

Já era vidrado na original, mas a forma como BL desloca os tempos fortes da batida é de uma inteligência musical fora de série.
Na versão do Gran Turismo a bateria é comprimida demais, bem no estilo bate-estaca hyper-pressure – o que é perfeito para a gravação, mas que cobre algumas das nuances do ritmo.

Mas aqui dá para ouvir muito bem esse deslocamento. Preste atenção quando entra o tema da música, repare como ele acentua o prato no 3ª compasso, justo quando baixo muda a linha. Normalmente, um baterista tocaria o prato no começo de cada quadratura, para fechar a noção de ciclo. Mas ele toca no meio, levando a música para um outro caminho...

Simples demais, eu sei. Mas para mim, fez toda a diferença...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

EC e seus bateristas



Acho que sempre fui meio fã do Eric Clapton. Quando comecei a me interessar por música, no final dos anos 80, ele já estava num momento artisticamente meio duvidoso de sua carreira – tinha lançado o “Journeyman” e veio até tocar aqui em Brasília, no Ginásio Nilson Nelson. Mesmo assim, era uma figura que despertava o meu interesse. E à medida que esse interesse foi crescendo, comecei a fuçar as coisas mais antigas, tentando entender um pouco mais de sua carreira.

Bom, 20 anos depois, com a cronologia de sua carreira (e de sua vida pessoal) bem entendida, resolvi escrever sobre ele. Na verdade, vou falar sobre alguns dos bateristas que o acompanharam ao longo de quase 50 de música e, de tabela, comentar a carreira de EC.

A idéia desse texto surgiu de um artigo da Modern Drummer (pô, eu sempre cito essa revista, né?) de uns anos atrás, intitulado “The Drummers of Steely Dan”, que enfileirava os músicos que participaram dos discos dos doidões Becker e Fagen. Só que no caso da dupla norte-americana a coisa era bem mais lógica, já que os dois eram famosos por escolherem os melhores entre os melhores para cada uma de suas gravações. Daí, falar sobre seus bateristas é, de certa forma, falar sobre os tops desse período.

Já com EC, a coisa é muito mais doida. Tirando os seus tempos de músico de banda (Cream, Blind Faith, Yardbirds e John Mayall & The Bluesbreakers), parece que ele nunca deu muita bola para quem estivesse segurando as baquetas. Mesmo tendo tocado com feras de grosso calibre, suas declarações nunca foram muito entusiasmadas sobre o assunto baterista. Na sua autobiografia, ele até comenta sobre alguns desses caras, mas sempre com certa desatenção. Aliás, de todas as coisas que li nesse livro (muito legal, por sinal), isso foi o que mais me chamou a atenção – com poucas exceções, parece que ele nunca teve muito controle sobre sua carreira. Talvez pelo fato de ter passado uns bons anos viciado em alguma coisa e/ou deprimido, a impressão é que ele andava de um lado para outro sempre a reboque.

Eu até fiquei imaginando aquele momento em que um cara chega com uma música nova, ou com um arranjo diferente, e vai passar as partes para a banda. No caso de EC, eu duvido que ele dê (ou tenha dado na vida) alguma orientação mais específica de como o baterista deve se portar – ao contrário de seu colega Jimmy Page. E isso fica claro pelos caras que ele escolheu ao longo de sua carreira solo.

Bom, vamos lá:


JAMIE OLDAKER
“Motherless Children”
Eric Clapton
461 Ocean Boulevard, 1974

Essa uma das melhores introduções que eu já ouvi. É um ótimo exemplo da força que uma bateria bem tocada tem num arranjo. Pense numa música qualquer que comece apenas com a guitarra (ou o piano) e note como os ouvidos saltam (e não é pelo barulho) com a entrada da bateria. E isso é uma das maiores responsabilidades do baterista: não estragar uma introdução maneira! Uma virada errada ou uma batida indecisa põe tudo a perder. Ouvindo a bateria de Jamie Oldaker não tenho dúvidas de que ele nunca teve esse tipo de problema.

Suas baquetas acompanharam Eric Clapton nos melhores (e mais consistentes) momentos de sua carreira. Aliás, eu acho que ele foi o melhor baterista para EC, pois se entendia muito bem com sua guitarra e sabia a batida certa para suas músicas. Esse disco, aliás, é um dos melhores exemplos. JO toca fácil, sem chamar a atenção (e por isso é que chama), sempre no melhor andamento e sempre com muita firmeza.

JAMIE OLDAKER
“Wondedrful Tonight”
Eric Clapton
Slowhand, 1977

É uma das mais bonitas composições de EC – na sua autobiografia, ele disse tentou fazer algo como “Many River To Cross”, do Jimmy Cliff. Até onde sei, é uma homenagem à sua amada Pattie Boyd, que, graças aos descompasso emocional do autor, inspirou algumas de suas melhores músicas. Mas o importante aqui é falar do andamento dessa música. Não é uma balada, não é um mid-tempo; é lenta, mas é um pouco para frente; não é funky, mas a batida toca um pouco para trás; e é longa (quase 4’). Pô, para tocar um troço desses vc tem que ter muito controle e concentração, além do talento fenomenal para fazer isso soar musical. E JO faz parecer um passeio no parque. É legal reparar que ele usa apenas bumbo, caixa e ximbau e pouquíssimos pratos na gravação. Isso é um statment que só quem tem domínio de sua arte pode fazer.

JAMIE OLDAKER
“Tulsa Time”
Eric Clapton
Backless, 1978

Uma homenagem de EC aos “garotos de Tulsa”, como ele se referia aos músicos que o acompanhavam. Durantes uns cinco anos, EC conseguiu manter praticamente a mesma banda tanto em estúdio quanto ao vivo, e esse entrosamento fica claro em músicas como essa. A bateria toca só o necessário, mas sempre controlando a batida. É legal o fato de JO tocar só no ximbau. Se ele tivesse tocado no prato de condução (no refrão, por exemplo), do jeito que faria a maioria dos bateristas, não seria a mesma coisa.

JIM GORDON
“Keep On Growing”
Derek & The Dominos
Layla and Other Assorted Love Songs, 1970

Jim Gordon é considerado um dos maiores bateristas de todos os tempos. Sua carreira musical é fabulosa, tendo gravado com os maiores nomes dos anos 60 e 70 (Beach Boys, Jackson Browne, Byrds, Carpenters, Joe Cocker, Neil Diamond, Everly Brothers, George Harrison, Carole King, John Lennon, Carly Simon, Steely Dan, Traffic [foi membro da banda], Frank Zappa, entre outros). No entanto, a vida pessoal era um desastre – ele sofria de esquizofrenia e acabou matando a mãe a marteladas. Mas antes dessa tragédia, sua arte por trás dos tambores sempre foi impecável – ele toca simples; com bom gosto; faz as viradas sempre, sempre, sempre, na hora certa; tira um som fabuloso e parece ter um metrônomo implantado em seu organismo.

Junto com EC, participou da curtíssima formação dos Dominos, gravando dois discos. Escolhi essa música pelo balanço sensacional (o baixo de Carl Raddle é perfeito) e pela forma com que JG acentua as partes fortes do compasso. A guitarra de EC está a todo vapor (faz os solos e a base) e o contraponto entre seu vocal e o de Bobby Whitlock é sensacional (olha aqui os dois: http://www.youtube.com/watch?v=QbrKrp2aKVw)
Não acho que o talento de EC como guitarrista tenha sido tão bem captado como nesse disco – talvez pela concorrência saudável com Duanne Allman.

Outro detalhe legal é que a parte final de “Layla”, foi composta pelo baterista Jim Gordon (quem se lembra do filme “Os Bons Companheiros”, com os ex-parceiros de Robert DeNiro e Joe Pesci aparecendo, um a um, devidamente assassinados).

JIM GORDON
“After Midnight”
Eric Clapton
Eric Clapton, 1970

Aqui começa a carreira solo de EC. Esse disco, gravado uns meses antes do “Layla and Other Assorted Love Songs” (com praticamente a mesma banda), apresenta a nova direção que o músico ia seguir por alguns bons anos. Depois de conhecer o casal Delaney & Bonnie, na turnê do Blind Faith, se apaixonou pelo white southern sound dos EUA, abandonando de vez (o Blind Faith ainda tinha uma coisita ou outra) o rock psicodélico dos anos 60. Além disso, “Eric Clapton” traz duas parcerias muito importantes para EC: a com o compositor J.J. Cale (o autor da música em que estão) e a com o brilhante produtor/engenheiro Tom Dowd.

Bom, sobre essa gravação, a bateria de JG (eu acho que tem duas tocando juntas) e o baixo de Carl Raddle funcionam como um trem a todo vapor – eu até diria que o baixo é mais maneiro que a bateria, pois dá todo o balanço. Repare como eles tocam o tempo inteiro, sem dar folga, mas sem nunca correr, sem nunca atrapalhar a melodia. Depois disso, EC nunca, mas nunca mesmo, conseguiu chegar perto dessa versão.

Mais um outro detalhe sobre JG – ele foi o primeiro e principal baterista por trás do Animal, dos Muppets!!!


HENRY SPINETTI
“I Can’t Stand It”
Eric Clapton
Another Ticket, 1981

Esse é um dos poucos colegas britânicos a segurar as baquetas na carreira solo de EC. Músico super tarimbado, HS gravou com uma lista de responsa, especialmente nos anos 80 (George Harrison, Paul McCartney, Bob Dylan e Pete Townshend). Junto com Jamie Oldaker, foi um cara que esteve em momentos legais da carreira de EC. Esse disco, como 90% da obra solo de EC, carece de uma unidade artística mais pensada, um conceito mais sólido. Mas “I Can’t Stand It” se sobressai, tanto pela qualidade da composição quanto pela sintonia com o começo dos anos 80. HS dá uma aula de cadência, alternando o ximbau nas estrofes e no refrão, empurrando e segurando a batida, mas sempre com o balanço certo. Mas mesmo com todos os méritos, esse arranjo, na minha humilde opinião, dá uma derrapada feroz no final, quando entra num clima meio de jam, com paradas meio manjadas (onde, aliás, HS deita e rola com propriedade), que prejudicam um pouco o potencial da música.

HENRY SPINETTI
“It's In The Way That You Use It”
Eric Clapton
August, 1981

Em termos de sucesso comercial, essa é um dos Top 5 de EC. Tocou muito e fez parte da trilha do filme do Scorcese (de novo!), “A Cor do Dinheiro”. De novo, HS impõe seu toque cadenciado e no lugar certo. Já tentei tocar essa música e não cheguei nem perto dessa batida. O som de caixa é cheio (bem anos 80) e preenche maravilhosamente bem os espaços. Agora, repare a diferença dessa produção para “I Can’t Stand It” – aqui não existe espaço para gordura, para jams ou qualquer coisa supérflua à estrutura da música. É um pop perfeito, no sentido da construção e da gravação. Esse disco, aliás, é mais centrado do que a maioria feita por EC. Nessa época, ele estava bem amigo de Phil Collins (que também gostava de entornar umas garrafas), por isso, talvez a tendência para um pop mais estruturado e enxuto. Cheio demais de teclados para meu gosto, mas com certeza bem mais pensado do que seus outros discos.


JIM KELTNER
“Before You Accuse Me”
Eric Clapton
Journeyman, 1989

Ninguém, mas ninguém mesmo, usa os espaços como Jim Keltner. Ele é senhor na arte de tocar na fronteira da batida (nem no centro e nem atrás); com o som meio espalhado; ao mesmo tempo sem definição e com uma pegada solid as a rock. Aqui, ele dá uma aula nesse clássico do cancioneiro blueseiro. O engraçado é notar que EC grava uma música dessas num disco que tem “Bad Love”, um pop de 1ª (apesar de eu achar o parentesco próximo demais de “Layla”). Não critico as escolhas, mas o repertório deixa claro que ele nunca foi muito ligado nos aspectos artísticos de seus discos. De novo, a impressão é que ele chegava atento apenas às letras e às suas guitarras e deixava o resto (todo o resto) nas mão do produtor. Bom, de qualquer forma, ele destrói nessa música, assim, como JK.

JIM KELTNER
“Motherless Child”
Eric Clapton
From The Cradle, 1994

E por falar em blues, esse é um dos discos de EC que eu mais gosto. Já discuti com vários amigos, que acham que ele canta de um jeito ridículo, tentando emular um cantor de blues, mas eu sempre entendi isso mais no sentido da homenagem. Pô, ainda mais sendo ele um fidelíssimo devoto dos ensinamentos originais norte-americanos, não imagino que ele iria, nessa altura do campeonato, querer faturar em cima desse pessoal (ao contrário do que fizeram os Stones e o Led Zeppelin). Bom, mas como o assunto é também Jim Keltner, queria registrar que essa bateria é impossível de ser tocada (hahaha!) Sério! Explico: a maioria das pessoas normais iria tocar todas as notas da caixa com uma das mãos e deixar a outra apenas para os acentos junto com bumbo. Isso facilita a nossa vida, mas endurece a batida a ponto de estragar a cadência. O que JK faz é tocar com a duas mãos, uma de cada vez, do jeito mais elementar do mundo. Só que para tocar assim vc tem que ter um cuidado triplicado para não acelerar o andamento. Nesse sentido, JK é bem o mestre Zen, que entende o universo de tal forma, que o consegue representar da forma mais elementar possível.

Mais detalhes: ele é de Tulsa, assim como Jamie Oldaker, e era parceiro de Jim Gordon.


STEVE FERRONE
“Rollin' and Tumblin'”
Eric Clapton
Unplugged, 1992

Esse é o outro colega inglês que cuidou da batida de EC por um bom tempo – ele, aliás, foi quem veio para BsB nos anos 90. Steve Ferrone é um cara que toca o essencial (até demais, pro meu gosto). Talvez pelo seu passado de bandas de funk, ele não tem aquela necessidade de mostrar que consegue tocar mais do quem simples pa-bum-pa-bum. E mesmo numa música como essa, cheia de espaços para a bateria deitar e rolar, ele se mantém resoluto na batida – uma diferença brutal para a versão do Cream, de quase 30 anos atrás http://www.youtube.com/watch?v=IrQftYFU7Vc&feature=related

E apesar de vir logo depois de uma tragédia descomunal na vida de EC (a morte seu filho Connor), esse disco é, em termos artísticos, talvez o melhor disco de sua carreira.

Já escrevi um pouco sobre Steve Ferrone aqui: http://txotxa.blogspot.com/2007/10/coletnea-vol-1.html


Bom, vou parar por aqui, pq o próximo baterista da lista teria que ser Steve Gadd (um dos meus heróis absolutos), mas que, por isso, precisa de um post só dele. De qualquer forma, eu, sinceramente, acho que a escolha de SG tenha sido também fruto desse aparente desinteresse de EC por seus bateristas, já que os dois vêm de lugares musicais diferentes (e até, distintos).

Ah, só para acabar mais para cima, incluí na seqüência uma versão bacana de EC para o sucesso de Peter Tosh “Watcha Gonna Do” (com a participação do próprio), gravado em 74’, com JAMIE OLDAKER nas baquetas. Essa ligação dos ingleses brancos com o som jamaicano já rendeu muitas merdas (que o digam os maloqueiros desleixados dos Stones), mas de vez em quando a mistura funciona para os dois lados – vide “I Shot The Sheriff”. Aliás, nessa sua autobiografia, EC conta sobre o dia em que recebeu uma ligação de Bob Marley, agradecendo pela versão (e o sucesso e os royalties), mas não entendeu uma só palavra de Bobito :)))

O podcast está aqui agora: http://canal.podcast1.com.br/lomez


abs
Txotxa

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Will Calhoun


Já vi gente enrolada para escrever, mas eu acho que bati o recorde: 2 postagens em 2009 e nada até agora. Bom, vou tentar aqui retomar essa prática que eu tanto gosto e que muito me acalma.

A lista de bateristas que eu gostaria de escrever é grande, bem grande. Até hoje, por exemplo, não escrevi uma linha sequer de dois dos meus maiores mestres: Steve Gadd e Tony Williams. Mas resolvi escrever sobre o William Calhoun antes por conta de uma feliz coincidência: estava com a Plebe no Rio, em outubro do ano passado, madrugando no lobby do hotel para pegar o transporte de volta para o aeroporto, quando dei de cara com todos os living colours, que tocaram no Circo Voador naquela mesma noite. Minha vontade era levantar e pedir um autógrafo para eles, mas a vergonha e o cansaço me mantiveram bem quietinho no sofá da recepção.

No vôo de volta, fiquei pensando nas coisas que me fizeram gostar e, depois, me afastar do som deles. Lembrei do quanto os dois primeiros discos foram impactantes para a minha pós-juventude e o quanto havia detestado o “Stain” (3º disco de estúdio). Gostava muito do EP “Biscuits”, achava a versão Power Mix de “Love Hears It’s Ugly Head” bem legal, e o cover de “Sunshine Of Your Love” era ao mesmo tempo legal e horrível. Lembrei também de uma discussão, por volta de 95, entre dois grandes amigos sobre qual das duas bandas havia influenciado mais gente: Pixies ou Living Colour?

E nessa matemática de gostos e lembranças, fui percebendo que não conhecia nada feito pela banda depois de 93’. Nada, mesmo. Tinha ouvido uma coisa ou outra, muito rapidamente, e só. A carreira de baterista, produtor e estudioso da música africana de Will Calhoun eu ainda acompanhava, mas do Living Colour não sabia bulhufas. Daí surgiu a idéia de unir o útil ao agradável: escrever sobre um baterista que eu conheço bem e aproveitar para dar uma geral no som de sua banda.

Bom, conheci o WC junto com o Living Colour, em 1990. Adorava o disco “Vivid”. Ouvi muito, muito mesmo. Sabia tudo de cor. E ele era um cara muito reverenciado, meio que um fenômeno, que era bolsista na Berklee e um baterista que tinha as manhas das ruas e a técnica das melhores escolas. Lia sempre sobre ele, mas só tinha acesso ao primeiro disco e a um VHS meio pirata de um show deles no CBGB’s e só.

Nessa época, li uma entrevista do Steve Smith (carequinha jazzista que já toucou no Journey) na Modern Drummer. Era uma seção no clima de cabra-cega, onde ele tinha que adivinhar o que tocava na radiola. Na hora de “Cult of Personality“, ele começou a rir e deu uma sacaneada geral na bateria, dizendo que era engraçada (no pior sentido). Ele explicou que WC tocava o tempo inteiro, sem dar respiro, que espremia as viradas em compassos curtos, que fazia questão de fazer coisas complicadas em partes que pediam soluções simples. Resumindo: era um jovem que ainda precisava se encontrar com as baquetas.

Na época eu achei aquilo meio descortês, mas depois entendi perfeitamente o que ele estava dizendo. WC de fato tocava all over the place, querendo mostrar em todas as notas que entendia muito do riscado. E quando saiu o “Time’s Up”, fiquei feliz em perceber que ele estava mais dentro do balanço, menos show-off, mais ligado no conjunto e que aquela coisa de tocar o tempo todo tinha ficado um pouco para trás.

E hoje, vinte anos depois, Will Calhoun continua firme com um dos maiores bateristas do pedaço.

Antes da seleção musical, um parênteses para mostrar o quanto Stevie Smith tinha propriedade para falar de espaços na batida. Veja como ele toca de vez em quando os tambores e como essa música farofa tem um balanço fenomenal http://www.youtube.com/watch?v=barLaHrtvoM

Outra coisa: devido ao longo período de inatividade, perdi a minha conta de podcast.
Por isso, vou colocar apenas os links do YouTube para cada música, beleza?

BURNING THE MIDNIGHT LAMP
Biscuits, 1991

A escolha dessa música por si só já é notável, e a versão, nem se fala. Sobra estilo e bom gosto. WC passeia pelas diversas partes rítmicas do arranjo (bem complicado, por sinal), mostrando que não faz feio no sotaque jamaicano. Uma coisa engraçada é que ele, no começo dos anos 90, se ressentia muito do fato de os produtores de hip-hop preferirem às máquinas a um baterista de carne e osso. De certa forma, ele já estava ligado numa tendência que viria a ser moda no século seguinte, com bateristas e percussionistas tocando em cima de bases eletrônicas.

BROKEN HEARTS
Vivid, 1988

Sempre achei essa uma das melhores músicas da banda. No disco, ficou na medida certa, sem excessos, com uma melodia belíssima, com um solo de baixo sensacional (quem poderia imaginar isso numa música pop?) e com uma gaita tocada por Mick Jagger. O balanço da batida é empolgante (apesar do som horrível) e casa muito bem com o baixo – a precisão do bumbo é digna de nota. Um detalhe bacana é que, na época em que tocavam essa ao vivo, quem disparava os samples era o próprio WC (veja aqui: http://www.youtube.com/watch?v=A4REoOLMtnE). Outro parênteses: sempre achei que as músicas em que Vernon Reid não usa distorção mostram a quantidade de cartas que ele tem na manga, que vão além dos solos rápidos e timbres duvidosos.

TIME’S UP
Times’s Up, 1990

Graças às facilidades do YouTube, pude incluir essa versão gravada no Hollywood Rock de 92’, no Rio. Lembro de assistir esse troço de cabelo em pé, impressionado com a banda e surpreso com a Globo, que transmitiu o show na íntegra (reparem a ótima qualidade do áudio). Essa música, seja ao vivo ou em estúdio, é o melhor cartão de visitas da banda. Sempre me impressionou a entrada – sei que no meio de tantos cucos de relógio existe um que chama o tempo certo, mas nunca entendi qual. Esse show foi impressionante, eles tocaram The Clash e David Bowie, e destruíram as outras bandas – pelo menos para mim. Foi também a primeira vez em que vi o Doug Wimbish no baixo. É engraçado que já dava para perceber eles tocando as músicas antigas de um jeito diferente, com mais peso do que elas tinham na essência, às vezes até ferrando um pouco com os arranjos. Talvez já fosse a matriz do disco “Stain” tomando forma.

TYPE
Times’s Up, 1990

Um dos riffs mais matadores que eu já ouvi. A música, aliás, é uma das melhores. Fico feliz que WC tenha sido o mais simples possível em sua execução, pq ajudou a guitarra a carregar a música. O som de bateria, de novo, me incomoda (acho que era a época, sei lá...), mas não atrapalha em nada a gravação. Aliás, esse disco todo tem um som meio estapafúrdio de bateria, que às vezes funciona muito bem e de vez em quando é um desastre. Nessa música, não ajudou, mas, também não atrapalhou.
Dedico essa ao amigos Carlos Pinduca e Guilherme Gagui, os únicos guitarristas que mostraram o devido respeito pela guitarra de Vernon Reid.

ME, MYSELF, & MY MICROPHONE (with Run DMC)
Judgment Night (Soundtrack), 1993

Aqui WC pôde finalmente mostrar o quanto não devia nada para um beat machine. Um dos melhores momentos dessa trilha – e o filme até que é legal.

MEMORIES CAN’T WAIT
Vivid, 1988

Mais um cover muito bem sacado. Talvez pelas duas bandas serem de NYC (ah, sério, isso não tem nada a ver...), o Living Colour tenha se entendido tanto com essa música do Talking Heads. Na verdade, eles deram uma “acertada”, passaram o gabarito na original, que, de certa forma, ia agonizando, mas sem perder a excelência. A bateria de WC marca o tempo com firmeza e propriedade (apesar de ser o baixo o fio condutor da levada). Aliás, é importante ressaltar o quanto Muzz Skillings era um baixista fora de série (preste atenção nos harmônicos que ele dá no final dessa música). Mesmo tendo gravado apenas os dois primeiros discos, para mim ele é ainda a melhor opção para o grupo. Digo isso pq ele tinha muitas referências musicais e era bom de som. Pena que ele tenha resolvido pular fora...

NEW JACK THEME
Times’s Up, 1990

Uma pena que não tenha achado a versão de estúdio, mas eu acho que todo mundo tem isso em casa em algum lugar, né? :) Essa bateria é uma das mais maneiras que eu já ouvi em disco – tem o peso e o balanço na medida exata, misturando hard rock com discoteca sem soar nada estranho. Cada uma das partes do arranjo é pontuada com uma batida diferente, e WC, de novo, mostra que entende do riscado. Aqui, o timbre muito doido de bateria já funciona que é uma beleza.


Bom, era isso.
Como deu para perceber, não incluí nada além de 93’. Ouvi bastante os discos mais recentes deles, mas confesso que não achei nada tão representativo da bateria de Will Calhoun nas coisas mais novas. Quer dizer, tem uma gravação maneira de “TOMORROW NEVER KNOWS”, no disco “Collideøscope” (2003) e uma batida ótima (e super simples) em “BEHIND THE SUN”, do disco “The Chair In The Doorway” (2009). Mas eu acho que o auge da arte de WC (enquanto baterista de rock), seu diferencial, para o melhor e para o pior, ficou ali nos primeiros anos de Living Colour.


abs
Txotxa