quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Will Calhoun


Já vi gente enrolada para escrever, mas eu acho que bati o recorde: 2 postagens em 2009 e nada até agora. Bom, vou tentar aqui retomar essa prática que eu tanto gosto e que muito me acalma.

A lista de bateristas que eu gostaria de escrever é grande, bem grande. Até hoje, por exemplo, não escrevi uma linha sequer de dois dos meus maiores mestres: Steve Gadd e Tony Williams. Mas resolvi escrever sobre o William Calhoun antes por conta de uma feliz coincidência: estava com a Plebe no Rio, em outubro do ano passado, madrugando no lobby do hotel para pegar o transporte de volta para o aeroporto, quando dei de cara com todos os living colours, que tocaram no Circo Voador naquela mesma noite. Minha vontade era levantar e pedir um autógrafo para eles, mas a vergonha e o cansaço me mantiveram bem quietinho no sofá da recepção.

No vôo de volta, fiquei pensando nas coisas que me fizeram gostar e, depois, me afastar do som deles. Lembrei do quanto os dois primeiros discos foram impactantes para a minha pós-juventude e o quanto havia detestado o “Stain” (3º disco de estúdio). Gostava muito do EP “Biscuits”, achava a versão Power Mix de “Love Hears It’s Ugly Head” bem legal, e o cover de “Sunshine Of Your Love” era ao mesmo tempo legal e horrível. Lembrei também de uma discussão, por volta de 95, entre dois grandes amigos sobre qual das duas bandas havia influenciado mais gente: Pixies ou Living Colour?

E nessa matemática de gostos e lembranças, fui percebendo que não conhecia nada feito pela banda depois de 93’. Nada, mesmo. Tinha ouvido uma coisa ou outra, muito rapidamente, e só. A carreira de baterista, produtor e estudioso da música africana de Will Calhoun eu ainda acompanhava, mas do Living Colour não sabia bulhufas. Daí surgiu a idéia de unir o útil ao agradável: escrever sobre um baterista que eu conheço bem e aproveitar para dar uma geral no som de sua banda.

Bom, conheci o WC junto com o Living Colour, em 1990. Adorava o disco “Vivid”. Ouvi muito, muito mesmo. Sabia tudo de cor. E ele era um cara muito reverenciado, meio que um fenômeno, que era bolsista na Berklee e um baterista que tinha as manhas das ruas e a técnica das melhores escolas. Lia sempre sobre ele, mas só tinha acesso ao primeiro disco e a um VHS meio pirata de um show deles no CBGB’s e só.

Nessa época, li uma entrevista do Steve Smith (carequinha jazzista que já toucou no Journey) na Modern Drummer. Era uma seção no clima de cabra-cega, onde ele tinha que adivinhar o que tocava na radiola. Na hora de “Cult of Personality“, ele começou a rir e deu uma sacaneada geral na bateria, dizendo que era engraçada (no pior sentido). Ele explicou que WC tocava o tempo inteiro, sem dar respiro, que espremia as viradas em compassos curtos, que fazia questão de fazer coisas complicadas em partes que pediam soluções simples. Resumindo: era um jovem que ainda precisava se encontrar com as baquetas.

Na época eu achei aquilo meio descortês, mas depois entendi perfeitamente o que ele estava dizendo. WC de fato tocava all over the place, querendo mostrar em todas as notas que entendia muito do riscado. E quando saiu o “Time’s Up”, fiquei feliz em perceber que ele estava mais dentro do balanço, menos show-off, mais ligado no conjunto e que aquela coisa de tocar o tempo todo tinha ficado um pouco para trás.

E hoje, vinte anos depois, Will Calhoun continua firme com um dos maiores bateristas do pedaço.

Antes da seleção musical, um parênteses para mostrar o quanto Stevie Smith tinha propriedade para falar de espaços na batida. Veja como ele toca de vez em quando os tambores e como essa música farofa tem um balanço fenomenal http://www.youtube.com/watch?v=barLaHrtvoM

Outra coisa: devido ao longo período de inatividade, perdi a minha conta de podcast.
Por isso, vou colocar apenas os links do YouTube para cada música, beleza?

BURNING THE MIDNIGHT LAMP
Biscuits, 1991

A escolha dessa música por si só já é notável, e a versão, nem se fala. Sobra estilo e bom gosto. WC passeia pelas diversas partes rítmicas do arranjo (bem complicado, por sinal), mostrando que não faz feio no sotaque jamaicano. Uma coisa engraçada é que ele, no começo dos anos 90, se ressentia muito do fato de os produtores de hip-hop preferirem às máquinas a um baterista de carne e osso. De certa forma, ele já estava ligado numa tendência que viria a ser moda no século seguinte, com bateristas e percussionistas tocando em cima de bases eletrônicas.

BROKEN HEARTS
Vivid, 1988

Sempre achei essa uma das melhores músicas da banda. No disco, ficou na medida certa, sem excessos, com uma melodia belíssima, com um solo de baixo sensacional (quem poderia imaginar isso numa música pop?) e com uma gaita tocada por Mick Jagger. O balanço da batida é empolgante (apesar do som horrível) e casa muito bem com o baixo – a precisão do bumbo é digna de nota. Um detalhe bacana é que, na época em que tocavam essa ao vivo, quem disparava os samples era o próprio WC (veja aqui: http://www.youtube.com/watch?v=A4REoOLMtnE). Outro parênteses: sempre achei que as músicas em que Vernon Reid não usa distorção mostram a quantidade de cartas que ele tem na manga, que vão além dos solos rápidos e timbres duvidosos.

TIME’S UP
Times’s Up, 1990

Graças às facilidades do YouTube, pude incluir essa versão gravada no Hollywood Rock de 92’, no Rio. Lembro de assistir esse troço de cabelo em pé, impressionado com a banda e surpreso com a Globo, que transmitiu o show na íntegra (reparem a ótima qualidade do áudio). Essa música, seja ao vivo ou em estúdio, é o melhor cartão de visitas da banda. Sempre me impressionou a entrada – sei que no meio de tantos cucos de relógio existe um que chama o tempo certo, mas nunca entendi qual. Esse show foi impressionante, eles tocaram The Clash e David Bowie, e destruíram as outras bandas – pelo menos para mim. Foi também a primeira vez em que vi o Doug Wimbish no baixo. É engraçado que já dava para perceber eles tocando as músicas antigas de um jeito diferente, com mais peso do que elas tinham na essência, às vezes até ferrando um pouco com os arranjos. Talvez já fosse a matriz do disco “Stain” tomando forma.

TYPE
Times’s Up, 1990

Um dos riffs mais matadores que eu já ouvi. A música, aliás, é uma das melhores. Fico feliz que WC tenha sido o mais simples possível em sua execução, pq ajudou a guitarra a carregar a música. O som de bateria, de novo, me incomoda (acho que era a época, sei lá...), mas não atrapalha em nada a gravação. Aliás, esse disco todo tem um som meio estapafúrdio de bateria, que às vezes funciona muito bem e de vez em quando é um desastre. Nessa música, não ajudou, mas, também não atrapalhou.
Dedico essa ao amigos Carlos Pinduca e Guilherme Gagui, os únicos guitarristas que mostraram o devido respeito pela guitarra de Vernon Reid.

ME, MYSELF, & MY MICROPHONE (with Run DMC)
Judgment Night (Soundtrack), 1993

Aqui WC pôde finalmente mostrar o quanto não devia nada para um beat machine. Um dos melhores momentos dessa trilha – e o filme até que é legal.

MEMORIES CAN’T WAIT
Vivid, 1988

Mais um cover muito bem sacado. Talvez pelas duas bandas serem de NYC (ah, sério, isso não tem nada a ver...), o Living Colour tenha se entendido tanto com essa música do Talking Heads. Na verdade, eles deram uma “acertada”, passaram o gabarito na original, que, de certa forma, ia agonizando, mas sem perder a excelência. A bateria de WC marca o tempo com firmeza e propriedade (apesar de ser o baixo o fio condutor da levada). Aliás, é importante ressaltar o quanto Muzz Skillings era um baixista fora de série (preste atenção nos harmônicos que ele dá no final dessa música). Mesmo tendo gravado apenas os dois primeiros discos, para mim ele é ainda a melhor opção para o grupo. Digo isso pq ele tinha muitas referências musicais e era bom de som. Pena que ele tenha resolvido pular fora...

NEW JACK THEME
Times’s Up, 1990

Uma pena que não tenha achado a versão de estúdio, mas eu acho que todo mundo tem isso em casa em algum lugar, né? :) Essa bateria é uma das mais maneiras que eu já ouvi em disco – tem o peso e o balanço na medida exata, misturando hard rock com discoteca sem soar nada estranho. Cada uma das partes do arranjo é pontuada com uma batida diferente, e WC, de novo, mostra que entende do riscado. Aqui, o timbre muito doido de bateria já funciona que é uma beleza.


Bom, era isso.
Como deu para perceber, não incluí nada além de 93’. Ouvi bastante os discos mais recentes deles, mas confesso que não achei nada tão representativo da bateria de Will Calhoun nas coisas mais novas. Quer dizer, tem uma gravação maneira de “TOMORROW NEVER KNOWS”, no disco “Collideøscope” (2003) e uma batida ótima (e super simples) em “BEHIND THE SUN”, do disco “The Chair In The Doorway” (2009). Mas eu acho que o auge da arte de WC (enquanto baterista de rock), seu diferencial, para o melhor e para o pior, ficou ali nos primeiros anos de Living Colour.


abs
Txotxa

3 comentários:

Naja Najito disse...

Legal você ter voltado a postar, Church. Seus textos são muito bons e educativos. Obrigado pela dedicatória de Type: também acho esse riff matador e, apesar de tentar tirá-lo vez ou outra, acho que nunca peguei a palhetada certa.

Assim como você, sou fã de Living Colour e tive a sorte de ver um show longo e matador deles aqui em Brasília no começo deste ano. Acredito que muito do meu gosto por dissonâncias tenha vindo, inclusive, do Vernon Reid.

Acho engraçado como o Living Colour é uma banda difícil de entender: talvez muito por conta dos excesso de virtuosismo e também pelos timbres meio datados. Geralmente, as gerações mais novas os vêem como meio bregas ou com um som progressivo demais, não sei.

De qualquer forma, continuo achando que o DNA da banda é foda: tem muita musicalidade ali por trás.

O legal do seu texto é que conseguiu mostrar os lados positivos e os excessos tanto do Living Colour quanto de seu baterista. Parabéns: trata-se de uma visão musical muito equilibrada e madura, na minha opinião.

abs.

Carlos

Txotxa disse...

valeu, Marlos :)

David disse...

Txotxa, eu estava nesse show do Rio, no circo voador. E olha que fui meio de nariz torcido, com medo que os meus ídolos de infância não fossem mais que a sobra deles mesmos. Ainda por cima para mim o bassman dos LC é o Muzz (Time's up está até hoje no meu top 10) e acho insuportável as re-formações de bandas. Mas foi dos shows mais animais que vi nos últimos 10 anos. Tudo bem que eu também envelheci com eles, aliás como boa parte do publico que lá estava. Mas não deixou de ser um momento fabuloso, tanto pelas musicas antigas que tocaram como pelas novas que te aconselho a ouvir. Não é nenhum Vivid ou Time's up mas tem umas pérolas pelo meio :)
Abração