quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Art Blakey (1919 – 1990)


Mudando um pouco o rumo da prosa, e deixando de lado os colegas roqueiros, vou tentar hoje (ênfase no tentar) falar um pouco sobre os meus ídolos jazzistas. Antes, porém, gostaria de fazer algumas considerações a respeito desse estilo tão reverenciado (e temido) que é o jazz.

Não sou, nunca fui e nunca serei especialista no assunto. Considero-me apenas um entusiasta da coisa, que foi aprendendo na marra, a partir de uma curtíssima literatura, da boa vontade dos amigos e de uma tremenda curiosidade para entender o que faz do jazz a maior expressão cultural norte-americana.

Bom, depois de alguns anos batendo cabeça, pude compreender algumas coisas. Uma delas diz respeito ao mito de o jazz ser uma música superior. Isso tem a ver, eu penso, com a forma com que as pessoas mais cultas se apropriaram do estilo, tornando o jazz uma coisa elitista, exclusiva das mentes sofisticadas que sabem apreciar a boa música fumando um bom charuto e bebendo um conhaque caro. Talvez pelo alto preço dos discos (na época não existia o mp3), consumir jazz era mesmo uma coisa para quem tinha dinheiro sobrando no bolso. E isso, talvez, tenha afastado as pessoas mais novas. Mas, de qualquer forma, essa idéia de música superior é uma besteira. Não existe isso. Quem define essa qualidade é o ouvido do freguês, que pode detestar “Giant Steps”, de John Coltrane, e adorar a batida simples de Bo Diddley.

No momento que entendi isso, perdi 90% do medo que tinha e pude focar nas coisas que achava realmente interessantes: a sincronia entre baixo, bateria e piano; o som e o improviso dos sopros; a dinâmica dos arranjos e, principalmente, o BLUES que corre nas veias de cada uma dessas composições (desculpem a vibração :) ).

Talvez o único pré-requisito para entender o jazz seja uma boa noção de sua cronologia. Besteira! Na verdade, isso seria apenas um facilitador. Não é imprescindível, apenas ajuda a montar o labirinto na cabeça. Mas isso vale para qualquer estilo, não? Quando entendemos que o reggae veio do ska, que veio do R&B norte-americano, não fica mais fácil compreender a sua batida? Eu quebro a cabeça para entender a cronologia do punk rock, para entender a ponte que existe entre o Gang of Four e o Franz Ferdinand, por exemplo. Portanto, qualquer estilo musical que tenha um pouco mais de conteúdo, precisa de uma “estudada” mais atenta. Mas é só. Depois disso, cada um caminha com as suas próprias pernas e vai atrás do que, realmente, lhe interessa. Sem medo e sem preconceito.

E é com tudo isso em mente que eu apresento o 1º jazzista desse blog: o incomparável Art Blakey. Para mim, ele representa uma corrente importantíssima no desenvolvimento da bateria. Junto com Philly Joe Jones, Max Roach e Elvin Jones, AB deu início à “modernidade percussiva jazzística”. E de todos esses, Art Blakey, além de mais velho, era, de longe, o que tinha mais swing – a sua condução era tão cheia de balanço que podia carregar a música sozinha. Além disso, AB acompanhou muito bem a evolução musical do começo dos anos 40 (que deu no Bebop), criando, com seu grupo, um estilo conhecido como Hardbop, que explodiu na metade dos anos 50.

Um fator importante na arte de Art Blakey (sem trocadilhos) era a sua capacidade de juntar ótimos músicos em suas bandas. Já passou pelos Jazz Messengers (grupo de Horace Silver que, depois, AB assumiu a batuta) gente do calibre de Wynton e Branford Marsalis, Bobby Timmons, Lee Morgan, Benny Golson entre outros gigantes.

Diferente dos grupos de Miles Davis, os jovens que tocavam com Blakey não precisavam mostrar genialidade o tempo inteiro e tinham liberdade para desenvolver em paz os seus talentos. De uma certa forma, era como se a escola dos Jazz Messengers fosse um curso pré-vestibular para a faculdade de Miles Davis. Não sei se Wayne Shorter, por exemplo, teria feito o que fez no 2º grande quinteto de Miles se não tivesse tido o tempo para desenvolver sua composição nos anos que passou com Art Blakey.

Vamos à seleção musical de hoje (que ficou bem extensa, por sinal):
http://lomez.mypodcast.com/


“A LITTLE BUSY”
Art Blakey & The Jazz Messengers
The Witch Doctor, 1961
Isso é balanço e o resto é brincadeira! Eu considero essa uma das melhores formações da história do jazz, com Lee Morgan (t), Wayne Shorter (st), Bobby Timmons (p) e Jymie Merritt (b). Gosto muito também desse arranjo, que não deixa a peteca cair em nenhum momento. Às vezes, uma música começa com o tema fodasso, cheio de swing, mas na hora dos solos cai num clima mais tranqüilo, mais tradicional, matando (pelo menos para mim) um pouco da originalidade. Aqui, a música não tira o pé do acelerador em momento algum. Composição do super-foda Lee Morgan, um cara que era excelente compositor e instrumentista.

“THE THEME”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Buttercorn Lady, 1966
Como AB rendia ao vivo... Destaque para a participação do então jovem pianista Keith Jarrett, um dos que passaram pelo cursinho Art Blakey para a faculdade Miles Davis. Essa música é meio despretensiosa, com um clima meio de zona, de fim ou de início de show, mas eu me amarro muito na linha dos sopros, que soam colados com a caixa de AB.

“THE DRUM THUNDER SUITE”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Moanin', 1958
Clássico dos clássicos. Considero este disco um dos Top 10 da minha vida. Tem de tudo, é uma aula completa. Essa suíte foi composta pelo grande saxofonista Benny Golson (aquele que o Tom Hanks tenta pegar um autógrafo no filme “Terminal”) e mostra o quanto AB sabia tudo e mais um pouco de tambores. Se a formação do disco “The Witch Doctor”, mencionada acima, é uma das melhores do jazz, eu considero essa, com BG no lugar de Wayne Shorter, a melhor dos Jazz Messengers. Era como se a musicalidade de todos caminhassem para o mesmo lugar. Li esses dias o guitarrista do Toto falando sobre tempo, dizendo que existia o tempo de cada um e o tempo de um conjunto. Ela cita o Neville Brothers como exemplo de uma banda que possui a mesma noção de tempo, onde todos vão para o mesmo lugar, no mesmo momento, da mesma forma. Eu penso que essa formação dos Jazz Messengers, em termos de melodia e harmonia, estão em perfeita sincronicidade.

“SOUL FINGER”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Soul Finger, 1965
Um ótimo exemplo do que representa musicalmente o Hardbop, com uma forte pegada de soul. Podemos ouvir os furiosos rolos de caixa de AB nessa versão. Gosto muito da dinâmica dessa execução.

“UNITED”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Roots And Herbs, 1961
Aqui a coisa já dá um nó na cabeça. O tempo da música é em 3, correto? Mas quem é que entende o que acontece do meio para a final, logo após o solo de piano? Eu fico com dor de cabeça, mas não consigo amarrar o tempo entre o baixo, a bateria e a percussão – note que o ximbau continua tocando a mesma célula do começo da música. Independente disso, essa versão mostra o quanto Art Blakey tinha um pulso firme, o quanto dominava todas as variações de compasso.

“IT'S ONLY A PAPER MOON”
Art Blakey & The Jazz Messengers
The Big Beat, 1960
Esse disco fez muito sucesso na época e possui uma das formação clássicas dos Jazz Messengers (citada na 1ª música desse podcast). Gosto muito dessa composição e, pelo o que me lembre, nunca ouvi um arranjo lascado. E essa versão não foge à regra. O solo de Blakey também é muito legal. Na verdade, ele possuía algumas frases bem características, que apareciam sempre em seus solos. Tudo bem, já que ele nunca foi o virtuoso da bateria (como eram Max Roach, Tony Williams ou Buddy Rich).

“SAFARI”
Horace Silver
Spotlight On Drums, 1952
E por falar em balanço, aqui vai uma gravação de Blakey com um dos pianistas/compositores que eu mais gosto, Mr. Horace Silver. Todas as músicas de Silver tem um funky sensacional, pilotado pela sua mão direita. O solo de Blakey, apesar de curtíssimo, é um dos mais musicais que eu já ouvi.

“AUTUMN LEAVES”
Cannonball Adderley
Somethin' Else, 1958
Uma aula de swing. Repare como o andamento não se altera (com exceção do final). Art Blakey sai da baqueta para a vassourinha e volta para as baquetas sem pressa, sem perder o balanço por mais de 9’. E esse andamento não é um dos mais fáceis – é daqueles se a bateria ficar um milésimo de segundo para trás mata a música, e se correr um centésimo, perde todo o balanço. Essa formação, com Miles Davis e o fabuloso pianista Hank Jones (irmão do baterista Elvin Jones) é sensacional. Cannonball ficou muito famoso depois disso, (meses depois, gravou o clássico “Kind of Blue”, com Miles), mas se eu tivesse que escolher entre todos os seus solos sensacionais, eu escolheria este.

PS. Sobre aquela história de ter contado com a "little help from my friends" para entender um pouco sobre o jazz, não posso deixar de mencionar a família da Joana (minha ex-colega de Maskavo Roots e, na época, namorada), que, mesmo sem saber, me emprestava muitos dos seus muitos discos de jazz. Outro que muito ajudou foi o meu grande amigo Alan, que me emprestava os discos de seu cunhado (que tem uma coleção imensa). Lembro que a gente pegava um monte de discos e eu ia correndo para casa gravar, antes que o dono notasse o “empréstimo”.

“IN THE WEE SMALL HOURS OF THE MORNING”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Caravan, 1964
Outro disco muito famoso dos Jazz Messengers. Gosto muito dessa versão com o trombone. A música, de novo, é um standard e ficou muito bem arranjada. Aliás, umas das contas usadas para medir a capacidade criativa do jazzista (além da composição, é claro) é a sua capacidade de interpretar os standards. Aqui, AB cria uma batida bem interessante, cheia de clima e de partes sutis.

“MOANIN'”
Art Blakey & The Jazz Messengers
Moanin', 1958
Essa música talvez seja o maior hit do grupo de Art Blakey. Adoro o compositor, o pianista Bobby Timmons. Quase todas as suas músicas têm esse pegada forte de blues, de soul. Uma coisa que sempre me admira (e eu já devo ter ouvido esse disco umas 1000 vezes) e a forma como o piano e o sopro vão se alternando no tema. Os solos de Lee Morgan (tp) e de Bobby Timmons também são sensacionais. E a batida de Art Blakey, que mais lembra um R&B clássico, empurra a música na medida certa. E como diria o pião, ainda tem um plus a mais: a Geórgia, minha mulher, me deu de aniversário uma versão remasterizada desse disco, que tem o melhor som que já ouvi na vida.

Era isso.
abs
Txotxa

5 comentários:

Anônimo disse...

Aê Txotxa, Aproveito a oportunidade de parabenizar pela impacável apresentação de omntem no Cererê. Como sebre a Plebe tecnicamente e energeticamente foi fenomenal. A tua presença na Bateria, como sempre, Formidavel. Tens tocado muito, meus parabéns...
Envie um recado ao Clemente, Cuidado garoto! a Plebe fez uma apresentação maravilhosa mesmo na ausência dele.
Valeu pela energia.
Agradeço também pela Baqueta, continue assim! Heheheee
Abraços.
Saudações Plebéias..

Zezão Plebeu!

Chéri disse...

Sensacional!

F3rnando disse...

É um prazer me considerar analfabeto num post desses, o prazer de ouvir é duplo. Coé, Txotxa, vais no Police em dezembro?

F3rnando disse...

Ae, Txotxa, dá uma espiada nesse vídeo e vê se esse baixinho tem condição de ganhar um podcast qualquer dia desses por aqui :D

http://www.youtube.com/watch?v=uhbxN4NO38k

Txotxa disse...

grande Zezão, obrigado pela gentileza. nos vemos no próximo show da Plebe.

Fish, loucura! bjos

F3rnando, que bom que tenha gostado. Quanto ao Police, ainda estou na dúvida. Vc vai? Ah, e o Animal é clássico. E esse vídeo é engraçadão, mesmo.