terça-feira, 23 de outubro de 2007

Keith Moon (1946 - 1978)


Existem malucos e malucos. O termo, nos dois casos, não tem relação alguma com o movimento hippie ou com a forma com que os playboys se cumprimentam. Maluco, aqui, beira a demência patológica.

Dividindo a carga do conceito, o 1º grupo seria composto por aqueles que entram e saem de manicômios, que passam a maior parte do tempo sedados e que, por um infortúnio genético, nasceram com a fiação trocada.

Já os malucos do 2º time, o mais perigoso, são aqueles que, por abusos químicos diversos, viraram na esquina da insanidade e não conseguiram mais retornar. Nesse time está gente como Jim Gordon (fabuloso baterista que, cumprindo ordens do Diabo, matou a mãe a marteladas), Jonh Bonham (que mijava nas calças e mandava o roadie trocar com ele de lugar no avião) e Keith Moon (certamente, o pior de todos), que já entrou com um tanque de guerra em uma festa, já colocou bombas dentro do bumbo sem avisar os colegas de banda a hora da explosão, já tirou a roupa inteira num programa de TV, entre outras demências.

Mas assim como os outros dois colegas, KM era um fenômeno atrás da bateria. Seu toque era leve e rápido (talvez o mais rápido de sua geração). Suas viradas até hoje são dificílimas e poucos conseguem tocá-las do jeito correto. Pq existe, eu acredito, um jeito certo de se tocar a bateria de KM. Não dá para acompanhar as músicas do The Who pensando num ritmo definido, numa batida que tenha balanço. As músicas deles que têm um certo swing são fruto muito mais do baixo e da guitarra (mais até do violão). Pq a bateria é caótica, cheia de tambores e pratos o tempo inteiro (ele raramente usava o ximbau para conduzir o ritmo).

Mas isso não representa nenhum demérito em relação às qualidades de KM. Mostra apenas que o excesso, característica mais marcante em sua vida pública, é também responsável pela sua distinção musical. E é esse excesso musical que impede caras geniais como Simon Philipps, Kenney Jones e Zak Starkey (todos ex-bateristas do The Who) a repetirem as batidas de Keith Moon.

Vamos a elas:

THE OX
The Who Sings My Generation, 1965

Keith Moon mostra que não veio para brincadeira. Toca o tempo inteiro, numa versão que poderia ser escrita para uma pequena orquestra de percussão. Me admira a intensidade que ele mantém por quase 4’, sem dar descanso às peles. Sinceramente, acho que, até hoje, pouquíssimas pessoas teriam a idéia de tocar essa música dessa forma.
Vou até sugerir para o meu querido amigo Gabriel Coaracy, baterista dos Bois de Gerião, que pense num arranjo dessa música para o seu grupo de percussão erudita. Dá para usar tudo, marimba, tímpanos, xilofone, rontontons, pratos etc.

GOING MOBILE
Who's Next, 1971

Por favor, alguém poderia me explicar a virada que ele faz logo após a 1ª frase de Pete Townshead? Coisa de doido. Nesse tipo de arranjo, com violão, KM deita e rola. Essa música, aliás, é um bom exemplo de como o balanço da banda vinha de PT e, às vezes de Roger Entwistle. Keith Moon tinha outras preocupações. De novo, uma forma de tocar a bateria que alguém dificilmente pensaria. Note como ela pára, vai e volta, mas sem nunca perder a adrenalina.

I'M THE FACE
Odds And Sods, 1974
Como toda regra tem exceção, aqui KM se concentra no balanço, colado no baixo. É impressionante o quanto o The Who era uma banda foda, com domínio total da linguagem do rock. Esses dias, estava assistindo com o Carlos, do Prot(o), um ensaio do The Who (no YouTube, claro), onde eles, de zona, tocavam “Barbara Ann”, dos Beach Boys. E mesmo de zona, eles não conseguiam fazer feio.
Para quem quiser conferir, aqui vai o link do vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=4d6mj7PG9qA&mode=related&search=

SHAKIN' ALL OVER
Live At Leeds, 1970

Um dos melhores discos ao vivo do pedaço. Não quero dar uma de saudosista (até pq nem tenho idade para isso), mas acho que nos 60 e 70 as bandas eram musicalmente (não artisticamente) melhores que as de hoje. Como as coisas funcionavam na marra, o cara tinha que fazer muito bem o dever de casa. E isso se reflete, ao meu ver, na qualidade dos discos ao vivo gravados nessas décadas (especialmente nos anos 70). Olhe só: “Wings Over America”, “Frampton Comes Alive”, “Get Yer Ya-Ya's Out!”, “Before The Flood”, independente do gosto do freguês, são discos extremamente bem tocados, com dinâmica de banda, com musicalidade de sobra. E hoje, não vejo discos assim. Vc tem um que é legal pela energia, outro pela interação com o público, outro pela qualidade de captação, mas não ouço um para deixar o queixo caído.
Bom, isso tudo para dizer que, dentre todos esses fodassos, o “Live At Leeds” se sobressai na minha lista.

LET'S SEE ACTION
Single, 1971
De novo o violão amarrando som. Adoro o balanço dessa música. A batida de KM chega a ser meio desleixada, mas sem atrapalhar o arranjo. Note como ele carrega a música no ximbau sem pressa, sem tocar todas as notas do compasso. Muito legal também é ver o quanto ele reage rapidamente às partes dos seus colegas – no solo de guitarra, ele vai marcando as partes com o prato. De novo, qualquer outro baterista sem os temperos de KM deixaria a música insossa. Saudável, mas insossa.

I'M FREE
Tommy, 1969
Um ótimo exemplo de batidas que nos derrubam da cadeira. Quando o riff começa, nós já vamos batendo o pé num tempo, até que chega a bateria e arrasa com qualquer chance de bater palma. No final, a bateria resolve “fazer as pazes” com os outros colegas. Música foda de um disco foda.

WHO ARE YOU
Who Are You, 1978
Aqui já ouvimos KM no final da vida (uma pena). Acho essa bateria uma das mais arrasadoras que ele já gravou, tanto pelo som quanto pelas notas. E para “piorar” a vida dos bateristas, ele ainda toca por cima de uma base eletrônica (com as palminhas) como se não fosse nada demais. Dessa época, aliás, eu me amarro no visual dele tocando com um fone de cabo de telefone. Simon Philipps já gravou essa música com o Who, mas não conseguiu acertar os espaços do jeito correto, do jeito KM.

YOUNG MAN BLUES
Live At Leeds, 1970
Quando falei acima das viradas ultra-rápidas de KM, eu me referia especialmente a essa música. Dá gosto de ouvir uma formação tão coesa quanto essa. Realmente (e infelizmente) só de décadas em décadas surge uma banda assim.

BABY DON'T YOU DO IT
Who's Next, 1971
Ouvi essa música pela primeira vez com o The Band. Achei bem legal, mas depois de ouvir a versão do Who, pude entender o que o termo “incendiar” representa musicalmente. A bateria de KM dá show e carrega a música inteira nas costas. Esse disco, aliás, é um dos Top 10 de qualquer discoteca de rock.

SQUEEZE BOX
The Who By Numbers, 1975
Esse eu escolhi muito mais por uma boa lembrança do que pela bateria. Quer dizer, KM toca muitíssimo bem (como sempre), mas o que me alegra nessa música é lembrar do Spigazul, grupo que tive a honra de participar. Lembro de um ensaio que fizemos (eu, Gagui e Futrica) com o Fitinha (o vocalista), depois de uns 5 anos sem tocarmos juntos, e tocamos essa música. Foi impressionante o quanto essa música soou bem (e ainda soa na minha memória).

Podcast: http://lomez.mypodcast.com/


Era isso.
abs
Txotxa

7 comentários:

F3rnando disse...

"Overture" do "Tommy" é algo sem explicação nesse dimensão onde a gente habita, a própria força da música (que papo mais hippie...). No mais, o macaco tá certo!

THE MOVIE-GOER disse...

Outra aula, Seu Nasc!
Os experts e leigos(como eu!) agradecem!

Valeu!

Txotxa disse...

F3rnando, falou e disse.


Jr, comandou a night candanga!

Anônimo disse...

Fala Txotxa!!!! Realmente The Who é foda!!! Só mesmo um monstro sagrado como Keith Moon para acompanhar outro que era nada mais, nada menos, que John Entwistle. Nunca vi nada igual a cozinha do Who no mundo do rock!!! Abraço.

Rômulo disse...

Pô, e Baba O'Riley?? Não conta?

Txotxa disse...

com certeza conta, Rômulo. principalmente o finalzinho e os potentíssimos ataques nos pratos.
infelizmente (ou felizmenter, não sei), como esse KM era sensacional, sempre vai ficar uma coisa boa de fora.
abs

Txotxa disse...

Junior, de Araraquara, falou tudo! abs