Eu fui um dos muitos que conheceram o The Clash por meio daquelas coletâneas de rock dos anos 80. Mesmo sem entender um verso sequer da música (ou mesmo a sua estrutura), meus amigos e eu dançávamos loucamente ao som de “Should I Stay Or Should I Go” nas festinhas da escola.
Só fui compreender melhor o Clash enquanto grupo (com discografia e história próprias) quando estava no 2º grau. O Carlos, que é meu amigo e membro do Prot(o), falava sem parar o quanto esse grupo era o melhor de todos os tempos. De tanto ouvir a sua conversa, acabei comprando o vinil do “London Calling”. Ouvi o disco, entendi mais algumas coisas (não tudo, claro) e adorei as músicas. Mas continuava ainda sem entender a real grandeza do Clash.
Precisou de mais alguns anos e de um convite para me juntar ao Clash City Rockers (projeto do meu patrão e amigo Philippe Seabra, da Plebe Rude) para que o quebra-cabeça começasse a fazer sentido. Percebi que uma das coisas que tornava o The Clash fora do comum era a capacidade do grupo de tocar e entender vários estilos musicais. Não só isso, mas, principalmente, eles conseguiam imprimir a forte personalidade musical do grupo em todos esses estilos, sem perder de vista a tradição.
Não quero desmerecer o talento de J. Strummer e cia (coisa impossível de se fazer), mas eu acho que boa parte dessa fluência musical do Clash é de responsabilidade do super-baterista Topper Headon, o homenageado do dia.
Topper Headon não é da primeira formação do Clash, mas deu corpo e alma para o período clássico da banda. Ele entrou logo após o lançamento do 1º disco e só saiu depois da gravação do último. Na verdade, parece até que ele teria sido demitido, já que os colegas não agüentavam mais o vício em heroína de TH. Uma pena...
De qualquer forma, o talento de TH está acima de qualquer problema que ele possa ter tido nos anos em que foi o baterista do Clash. Sua perícia musical não se restringia apenas às baquetas. É dele, por exemplo, a composição, o arranjo e a execução (bateria, baixo e piano) do sucesso “Rock The Casbah”.
Sua noção de tempo era impecável. As baterias de TH sempre soavam muitíssimo bem no estúdio, com dinâmica e cadência inéditas nos bateristas de punk rock da época. Talvez pelo vício (não sei), TH nunca foi um cara de muita força na bateria. Sua pegada era firme, claro, mas não tinha o apelo físico de muitos de seus contemporâneos. Mesmo assim, sua batida era suficientemente empolgante para dar fama aos shows do Clash. Aliás, numa entrevista, Joe Strummer afirmou “que uma banda é tão boa quanto o seu baterista“ (algo do tipo), listando as qualidades de TH como músico. Não quero puxar a sardinha para a minha turma, mas concordo com JS em gênero, número e grau.
Vou tentar explicar melhor a minha admiração por TH a partir da seleção musical dos seus tempos de The Clash.
Podcast: http://lomez.mypodcast.com/
ATOM TAN
(Combat Rock, 1982)
A bateria tem um clima de “crescendo constante” que é sensacional. Normalmente, eu penso, o baterista iria tocar o tempo dobrado, seguindo a guitarra, num clima meio Rolling Stones. Mas a opção pelo half time de TH fez toda a diferença. Dá uma sensação (pelo menos para mim) da batida do Bo Diddley. Grande música!
RADIO CLASH
(Super Black Market Clash, 1980)
Aqui TH mostra o domínio da linguagem do funk. Ele consegue manter a batida e ainda preenchê-la de acentos – a peteca não cai nunca. Gosto muito dos efeitos e das pausas da bateria. Já toquei essa música algumas vezes, mas a minha versão sai cheia de buracos...
STRAIGHT TO HELL
(Combat Rock, 1982)
Uma aula de composição para a bateria. São duas baterias que se completam o tempo todo. Dá para notar umas 4 linhas diferentes ao longo da música. Nem consigo imaginar a dificuldade de gravar uma bateria depois da outra, sem perder o tempo e a dinâmica de cada uma das partes. E ainda mais numa música como essa, cheia de climas diferentes. Se tirarmos todos os outros instrumentos da jogada, a música ainda fica de pé apenas com TH e JS. Isso é estrutura e o resto é brincadeira...
TOMMY GUN
(Give 'Em Enough Rope, 1978)
Por falar em estrutura, mais um exemplo de como TH conseguia pensar em várias partes para a sua bateria, sem nunca esquecer a sua função principal: manter a batida firme para uma banda de rock. De novo, pelo menos umas 4 partes diferentes de bateria. O Clash City Rockers fez um show nesse domingo e tocamos, com o mesmo arranjo, Tommy Gun. Confesso que é a hora em que eu suo a camisa para fazer jus a essa gravação.
ARMAGIDEON TIME
(Black Market Clash, 1980)
Não me lembro de ouvir alguém tocar reggae dessa forma. Toda a estrutura clássica está lá, mas tem um punhado de notas a mais que fazem uma diferença absurda. TH tinha o desprendimento necessário para inventar e ousar em cima de uma batida quase dogmática. Qualquer baterista que tenha aprendido (de verdade) o reggae jamaicano não consegue tocar dessa forma. São muitas batidas “fora do lugar”, muitas viradas estranhas ao estilo... E ainda assim, a coisa toda soa perfeitamente “roots”.
DEATH OR GLORY
(London Calling, 1979)
Clássico de um dos melhores discos de todos os tempos. Acho interessantíssima a escolha de TH em não tocar essa música do jeitão hard rock, com o ximbau aberto (principalmente na hora refrão). A introdução (e a parte do meio) é uma coisa fora do comum – ele vai construindo a batida aos poucos até chegar ao topo da música. Em homenagem aos meus amigos Pedro, do Prot(o) e Rafa (Bois de Gerião), vou indicar um ótimo exemplo de como o baixista pode fazer TODA a diferença. Repare que o baixo de P. Simonon vem seguindo a idéia da introdução (a partir de 21'22" no podcast) até o momento em que muda a linha e leva a música para um outro caminho (21'50").
WASHINGTON BULLETS
(Sandinista!, 1980)
TH mostra como se deve tocar o ximbau. O ritmo dessa música é meio complicadinho, porque está cheio de pequenos acentos na batida (que devem permanecer pequenos). Além disso, a música faz várias paradas que, normalmente, são prato cheio para o baterista voltar com o tempo adiantando. É claro que com TH não vamos ver nem ouvir coisas desse tipo. Não é à toa que um dos produtores do Clash o apelidou de “Human Drum Machine” (no bom sentido, é claro).
JULIE'S BEEN WORKING FOR THE DRUG SQUAD
(Give 'em Enough Rope, 1978)
Só toca esse balanço quem compreende bem o ROLL que nasceu junto com o ROCK. Eu sempre achei que o baixo (não sei se é o PS que toca) “apanha” um pouco do clima swing desse tempo. Gosto muito também dos sons dos tambores nessa música – não entendo pq TH sempre teve um som de tom tão fechado ao longo da carreira. Podia tanto ser sempre assim...
HATEFUL
(London Calling, 1979)
Adoro essa divisão matemática da bateria para seguir as guitarras e a melodia. É uma bateria que parece fácil, mas não é. Cada parte da música tem uma batida diferente, com instrumentos diferentes. Essa é um bom exemplo da dinâmica de TH na hora de tocar. À medida que a música vai mudando, a baterista segue junto, ajudando a mudança de clima e de estrutura.
abs
15 comentários:
Essa introdução de "Tommy Gun" incendeia até um velório. Topper headon também o responsável direto por "Rock The Casbah", a música é quase toda dele. Ae, Txotxa, que tal um podcast sobre bateristas cantores, Grant Hart, Mick Fleetwood , Phil Collins (ops..)?
com certeza, F3rnando.
eu até menciono essa história de "Rock The Casbah" no texto.
agora, eu não sabia que o Mike Fleetwood cantava. lesgal...
aliás, se vc quiser, eu posso incluir o seu e-mail na lista de atualizações do blog.
abs
Txotxa
Fico grato pela atenção.
Fala Txotxa. Certamente Headon influenciou não só bateristas, mas guitarristas, baixistas, tecladistas, vocalistas. Seu estilo é único e o que fez em Lodon Calling parece brincadeira.
Mas este post é, na verdade, minha grande oportunidade de dizer que considero o 1º disco do Maskavo Roots um graaaaande clássico e realmente adoro suas partes. Difícil apontar a faixa mais legal. 45? Chá Preto? Don Genaro? É realmente difícil.
Não nosconhecemos pessoalmetne apesar de termos 25 mil amigos em comum.
Já se vão 12 anos de lançamento deste disco, mas não poderia perder essa oportunidade. Ele está presente em meu Ipod pelo menos uma vez por mês.
Quando Mueller e Seabra falaram que vc estava na Plebe falei pra mim: finalmente um baterista que se encaixa perfeitamente ao som da banda.
Grande abraço.
PS: Espero que a próxima vez da Plebe em SP não haja contratempos para eu assistir.
Paulo, que legal a sua presença, cara. Tenho o seu livro e leio sempre as suas coisas na imprensa. Nota 10!
Realmente, são muitos os conhecidos entre nós. Precisamos trocar uma palavra pessoalmente na próxima ida a São Paulo.
Quanto ao disco do Maskavo Roots, fico muito feliz que vc se lembre com tanto carinho dessa época. Em nome dos outros colegas de banda, agradeço a sua consideração.
Grande abraço
Txotxa
Muito legal você ter incluído "Atom Tam" no podcast. Acho que esse lado B do Combat Rock é subestimado: apesar de ter músicas realmente meio estranhas, tem muitas coisas legais também, como Atom Tam, Death is a Star e Ghetto Defendant (uma das músicas preferidas do meu irmão). Do lado A de Combat Rock, amarro-me em Car Jamming, que tem uma bateria bem chacoalhada, meio afro (ou jamaicana, por outro ponto de vista). * PS: valeu pela citação.
Txotz, se Phil Collins entrar aqui vou formalmente pedir para ser descredenciado do blog!
Mais uma vez, parabéns. Queria ter seu entusiasmo pelos baixistas como vc tem pelos bateristas.
Já estou com uns discos que têm o G. Baker na bateria para sua apreciação.
Grande abraço!
PS - Eu também tenho muito que aprender com a cozinha PS e TH!
PS2 - Rat Scabies está na lista?
Naja Najito,
Curto também essas que vc listou. Muitas eu conheci por sua causa.
Quanto à citação, nada mais justo e natural. Aliás, meio sem pensar, acabei falando de todos os Clash City Rockers...
beijo da G
__________________________
André,
O Phill Collins, se entrar, vai ser apenas pelos anos em que tinha cabelo.
E o Rat Scabies, eu ainda estou sacando a dele. O pouco que conheço já é suficiente para ter "medo" do cara.
Fico esperando, então, os discos de G. Baker..
abração
Já que falaram no Maskavo lembrei que cruzei vc uma vez no "camarim" do Tênis Clube num show que a banda fez num encontro de Comunicação que estava rolando na UNB (e do qual eu estava participando). Isso foi Julho ou agosto de 95, eu já curtia a banda e fui no "camarim" pentelhar uns autógrafos, que eu tinha por aqui em algum lugar até um dia desses :D
P.S: O Phil Collins foi piada...
caramba, f3rnando! dessa eu nem lembrava. mundo pequeno, hein?
abs
Concordo com o André. Chester Thompson tudo bem, mas Phill Collins pode não. Isso dá expulsão.
Tambem, Topper Headon e Clash é muito bom, mas "Rock The Casbah" e “Should I Stay Or Should I Go”, se tocar de novo eu vomito ( essas musicas tocaram demais).
Ainda bem que vc não colocou essas musicas "conhecidas". Parabens pela seleção daquilo que o Clash tem de melhor.
Realmente, o Chester Thompson dea um otimo podcast. Não só no Genesis, mas cara já tocou com muito nêgo fera, tipo Zappa, Captain Beefheart, John Fogerty, Neilo Diamond, Weather Report e etc.
Saca só, veja o History > Credits:
http://chesterthompson.com/
Anônimo,
Eu também gosto muito do Chester Thompson, principalmente com Zappa e Weather Report. Um lance curioso é que o Jaco Pastorius, nos tempos de WR, não curtia muito a batida de CT e chegou a fazer lobby para tirá-lo da jogada. De qualquer forma, um dos discos que eu mais gosto do WR, Black Market, é tocado por Chester T.
Valeu pela presença e pelas considerações.
abs
Totxa
Pedido atendido!!!
Isso aí!!!
Maneiríssimo!
Agora vou botar a vitrola pra girar e curtir o som!!
Pois é Txotxa,
Para o nivel de Zappa e Jaco Pastorius, o CT é mesmo um pouco feijão com arroz. Não acho que o CT seja um gênio, acho que apenas dá conta do recado.
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