terça-feira, 24 de abril de 2007

Butch Trucks & Jaimoe Johanson


Quando pensamos em duas baterias, uma coisa vem à cabeça: barulho em dobro!!
E mesmo com todos os grandes exemplos de double drums existentes no rock e no jazz (Frank Zappa, John Coltrane, George Harrison, Steely Dan, Genesis, Ornete Colleman), poucas bandas mantiveram, em sua formação, dois bateristas tocando ao mesmo tempo todas as músicas.

Um dos motivos para isso é a dificuldade de criar partes consistentes para cada um dos bateristas e, ainda, encontrar músicos com toque e sensibilidade suficientes para não encobrir o som dos outros instrumentos com os pratos e tambores em dobro. Se uma bateria já incomoda muita gente...

Mas mesmo com essas (e outras) dificuldades, o grupo norte-americano The Allman Brothers Band conseguiu, ao longo de quase 40 anos de existência (estão juntos até hj), manter a sua seção rítmica funcionando a todo vapor com dois excelentes bateristas: Butch Trucks (de pé, na foto) e Jaimoe Johanson.

Desde as primeiras jams que deram origem aos AB, a parceria entre BT e JJ mostrou-se tão espontânea quanto eficaz. Em poucos momentos do rock dois músicos se completaram de tal forma. Ouvindo os discos dos AB, fica claro que essa simbiose (vamos chamar assim) é pra lá de musical. Veja só: um completava a virada do outro; tocavam, naturalmente, contra a batida do colega e mantinham as mesmas dinâmicas ao longo da música.

É claro que com ensaio tudo é possível. Até mesmo esse tipo de cooperação intrincada acaba funcionando depois de horas e horas de prática. Mas no caso do rock, e em especial o rock dos AB, a coisa não é tão simples assim, já que falamos de um dos grupos que, no começo dos anos 70, “jantava” todos os outros em matéria de improviso no estrado – algumas músicas chegavam a durar 30’. E mesmo nas versões ao vivo do grupo, essa química funcionava perfeitamente.
Não quero entrar aqui no campo do espiritual, mas a parceria entre JJ e BT se dava num outro plano...

Bom, vou deixar de conversa mole e listar as faixas escolhidas para este post.

CRAZY LOVE (Enlightened Rogues, 1979)
note com a batida de cada um está invertida. na introdução, nos versos e no solo, um toca o tempo dobrado, e o outro, pela metade. ouça bem o estéreo e repare esse balanço fenomenal. no final, note como um baterista completa os fills do outro.

TROUBLE NO MORE (The Allman Brothers Band, 1969)
eu considero essa batida muito difícil de ser tocada. ainda mais quando precisa estar travada com outro baterista. mas os dois fazem isso perfeitamente. nesse caso, as duas baterias estão praticamente tocando a mesma coisa – acho que a idéia era reforçar ainda mais o ritmo. repare bem nas viradas que antecedem o último verso (6’45” no podcast). por causa dessas viradas, aliás, a versão ao vivo dessa música foi listada pela conceituada revista "Modern Drummer" como um dos melhores momentos de double drums da história.

ONE WAY OUT [Live] (Eat A Peach, 1972)
clássicos do AB. uma bateria marca bem a batida e a outra vai acentuando as nuances, e as duas dão a impressão de que uma locomotiva empurra a música. o engraçado é que na volta do pequeno solo de bateria, a banda (eu acho que o baixo se perde na batida contrária de uma das baterias) volta no outro tempo, e o 1 muda de lugar. faça o teste: venha batendo palmas junto com a caixa (ou nos tempos 2 e 4) a partir de 9’45” no podcast.

HOOCHIE COOCHIE MAN (Idlewild South, 1970)
essa versão é impossível de ser tocada por qualquer outras banda no planeta. as chamadas das baterias antes das estrofes são espantosas. o arranjo das duas é fenomenal, assim como a música. esse é um ótimo exemplo de como se criar partes consistentes para cada um dos bateristas. não vou nem falar das frases das guitarras...

HOT 'LANTA [Live] (At Fillmore East, 1971)
aqui, os AB mostram um pouco de suas influências jazzísticas. o jazz, aliás, era uma das praias de JJ. nessa faixa instrumental, da para perceber a soberba técnica dos dois, com rufos muito bem colocados e com a dinâmica funcionando perfeitamente entre os solos. detalhe para o sofisticadíssimo solo dos dois. essa é boa de ouvir no fone.

DON'T WANT YOU NO MORE [Live] (Wipe The Windows, Check The Oil, Dollar Gas, 1976)
música do 1º disco, numa versão ao vivo de 1973 (eu acho). a sua batida funky deixaria os dois bateristas de James Brown com uma certa inveja. aliás, cabe aqui um parênteses: não listei os bateristas de JB como exemplo de double drums pq a idéia dele era diferente. como JB sempre foi rigoroso com o andamento de suas músicas, mantinha os bateristas (chegou a ter 3) num sistema de revezamento: “fulano toca os versos e cicrano, o refrão”. assim, segundo sua lógica, o ritmo não iria nunca cair, já que nenhum baterista se cansaria.
bem, de qualquer forma, vou falar disso nas próximas postagens...

JESSICA (Brothers and Sisters, 1973)
essa é uma das músicas mais conhecidas do grupo. sinceramente, não me lembro de uma situação onde a equação composição/arranjo/execução/gravação/mixagem tenha sido tão perfeitamente resolvida. de novo, uma bateria cuida da batida e outra vai seguindo os acentos das inúmeras partes. de vez em quando, dá para ouvir uma caixa meio perdida, mas pela intensidade que deve ter tido essa sessão, eles (sabiamente) não mexeram em nada das baterias. 

Sons: https://open.spotify.com/playlist/12KdWz8wEIl9C3Wk4qTi56?si=f8b805e1785c43ef

Valeu.

16 comentários:

Eduardo Borém disse...

Bom demais!!!!

Ricardo Cury disse...

Putz cara, não sabia desse seu blog.
É a melhor aula de bateria que já tive. Muito bom mesmo. Além de tudo, muito bem escrito.
Sinto que você terá um problema, pois pelo que vi, você pretende citar e escrever sobre os melhores. E como fará pra falar de você? Pois você tem que tá nesse bolo aí, sem dúvida nenhuma.
Grande Txotxa, parabéns e esperando um show da Plebe aqui em Salvador.
Abração.
P.S. Gostaria de ver um texto seu falando sobre Ringo.
De minha parte, acredito que aprendi muito quando tive banda cover dos Beatles. Ali entendi toda a complexidade da simplicidade da batida 4 x 4.

Txotxa disse...

valeu, mr. borém.

grande cury, o ringo já está na lista. grande abraço para vc e obrigado pela gentileza, velhote.

Anônimo disse...

Realmente, uma aula de bateria, rapaz. Gostei muito de vc ter comentado sobre Jessica, que na minha humilde opinião é um dos melhores exemplos de diálogo instrumental. Já virei fã diário do Blog.
Abração aqui do pólo norte.
FTRX

Bruno Ayres disse...

Just a FTRX, but good ones...!

André Mueller disse...

Txotz,

Outro destaque de bateria dupla é o Adam and the Ants. Acho que mereceria pelo menos uma menção honrosa no futuro nesse seu cada vez melhor blog.

Txotxa disse...

andré, essa eu não sabia. vou atrás dos "formigas". valeu pela dica...

F3rnando disse...

Tem uma banda baiana chamada Vendo 147 que usa duas bateras tb.

Naja Najito disse...

Estou sentindo falta de alguns bateras sacanas que tocaram com o Miles Davis na época em que ele descobria o poder das roupas e estava longe de estar limpo. Poderia falar também sobre alguns assassinos que tocaram com John Cocan...aliás, Coltrane, na sua fase careta (quando usava drogas pesadas, tipo Blue Train) ou realmente doida (quando virou religioso e gravou A Love Supreme). Enfim, sinto falta dos sacanas do jazz e sei que você conhece muito dessa galera da pesada.

Unknown disse...

Só quero ver o que vai falar do Topper Headon e do Lars Ulrich!!

Anônimo disse...

esse blog ta foda um dos melhores q ja vi por ai,parabens!

André Mueller disse...

Lars? ARRRRRGGGG!!! Muito ruim horr'ivel e p'essimo!!!! Não polua seu blog! Esse cara representa toda a corporação de gravadoras. Foi ele quem tirou a Napster do ar. O cara é um reacionário de direita, toca porra nenhuma!

Anônimo disse...

FTRX? Há, há, muito boa!

Txotxa disse...

naja, daqui a pouco vou começar com os amigos do Miles;

prata, na seqüência vou falar do Topper Headon;

valeu, dunha;

prata e andré, realmente, não saberia escrever sobre o Lars U. não manjo de metal tanto assim...

Doido de Cola disse...

Nessa história de 2 bateras, lembrei da farofagem no final Acústico do Kiss com o Eric Singer e o Peter Criss fazendo coreografia em “Rock n Roll All Nite”.

Txotxa disse...

pois é. e olha que os dois são grandes bateristas...